estrutura

4 de abril de 2011

COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS E O TURISMO RURAL





Antonio Eustáquio de Moura
Professor da Unemat - MT
Estudioso de Quilombolas
Dr. Em Sociologia Rural
1 - QUILOMBO NO BRASIL
Quando se fala em quilombo (também denominado de mocambo) no Brasil, a primeira imagem é de um agrupamento de escravos negros, fugidos, que se refugia em locais ermos no interior das matas e de difícil acesso, para escapar da escravidão, vivendo isolado da sociedade, o exemplo mais citado é o Quilombo de Palmares, no caso de Mato Grosso os exemplos os quilombos do Piolho (Quaritere), Sepotuba e do Manso.

Os agrupamentos de escravos negros fugitivos existiam em quase todas as províncias brasileiras, de forma que ainda hoje é freqüente encontrar lugares com a denominação de quilombos ou mocambos, mesmo aqueles que não tenham sinais aparentes destes grupamentos de escravos.

Existe uma vasta relação de quilombos destruídos no Brasil, no caso de Mato Grosso dos antigos quilombos que existiam no passado (vide listagem elaborada por VOLPATO, 2000, p. 213-239) todos foram destruídos.

A fuga e a formação de agrupamento de escravos fugitivos não eram a única forma coletiva dos escravos negros lutarem contra a escravidão. Havia também a possibilidade de negociações e acordos com o senhor, de forma que atualmente o conceito de quilombo foi ampliado e ressaltando de forma que se considera como quilombo todas as formas como os escravos negros, no período escravista, conseguiram manter uma certa autonomia em relação ao senhorio.

Baseando-se nestas ponderações, passam a serem definidos como quilombos as outras formas como os escravos negros e ex-escravos libertos mantiveram autonomia em relação aos proprietários de escravos e grandes proprietários rurais, em terras obtidas através de doação de senhor de escravos, em terras compradas e, em terras ocupadas por não estarem sendo utilizadas por serem terras de santos ou abandonadas pelos grandes proprietários rurais devido a queda de preços de produtos da plantação. Estas novas formas de caracterizar os quilombos possibilitaram verificar a existência de quilombos dentro ou próximos das plantations, eliminando a idéia de que os mesmos eram situados sempre em locais isolados (ALMEIDA, 1999: 14 - 16).

O que findou com o fim da escravidão negra foi a repressão oficial que havia sobre os agrupamentos de escravos fugidos. Os quilombos - englobando tanto os agrupamentos de escravos fugidos como os de ex-escravos ou negros livres que formados das diversas formas como descrevemos anteriormente – continuaram a existir tendo diferentes denominações desde nomes locais até algumas nomeações de bairros rurais, localidades ou comunidades negras que ressaltaram a origem étnica de seus moradores e as vezes o passado quilombola.

Entretanto estes agrupamentos negros rurais deixaram de serem objeto de ações do Governo – repressivas ou não – ficando entregues “à própria sorte”. Segundo Linhares, após a abolição da escravatura, os negros foram deixados à margem dos serviços sociais de atribuição do Estado, para o referido autor “As chamadas comunidades negras rurais, em particular, após a Abolição, ficaram praticamente sem qualquer assistência da parte dos órgãos oficiais, ficando, por falta de serviços sociais básicos imprescindíveis ao exercício da cidadania, socialmente, muito distantes de outros grupos sociais que habitam o meio rural” · . Também não eram alvo de estudos e pesquisas, sendo que apenas a partir do final dos anos 1970s e inicio da década de 1980, passaram a ser objeto de estudo de algumas universidades brasileiras.
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Nos anos 1980s, em conseqüência do Artigo 68 do ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Brasileira, surgiu e tomou força a denominação “remanescentes de comunidade de quilombo”, pois além de ser um nome que valorizava a cultura afro - brasileira e a resistência dos negros contra a escravidão reafirmava o direito deste agrupamento as terras que ocupava.

O agrupamento de negros rurais atualmente existentes surgidos antes ou após a abolição da escravatura são denominados de diferentes formas: remanescentes de quilombos; quilombos contemporâneos ou modernos, comunidade negra rural, terra de preto, ou agrupamento negros rurais. Essas comunidades normalmente são conhecidas pelas populações da sociedade envolvente como localidade de negros e seus moradores se reconhecem como descendentes de negros (escravos, libertos, ex-escravos, ou livres).

Existe a tendência de considerar todos os agrupamentos negros rurais como comunidade remanescente de quilombos, porém isto não é consensual, havendo alguns especialistas, principalmente juristas que para considerarem uma comunidade como remanescente de quilombo acham necessário que haja um laudo técnico comprovando o vínculo social e histórico entre a comunidade em questão com grupos de escravos fugidos. Para as pessoas que têm esta opinião no plano jurídico os remanescentes de comunidades de quilombos são “... aquela população, que mantém vínculos históricos sociais com grupo antigo de escravos fugidos que logram permanecer livres durante a vigência das leis escravistas brasileira” (RIOS,1997, p.74)

Visando ser mais abrangente e evitar as discussões jurídicas, achamos interessante e necessário utilizar o termo “remanescentes de quilombos” que abrangem todos os agrupamentos negros com ligações quilombolas (no sentido amplo) e a denominação “comunidade negra rural” que abrange todos os agrupamentos negros rurais, formados antes ou após a abolição da escravatura, sem que seja necessário ser feita comprovação de laços históricos com os quilombos.

A utilização conjunta destas duas denominação contemplaria a terminologias utilizada na Constituição Brasileira de 1988 e seria mais abrangente pois englobam as comunidades remanescentes de quilombos e as comunidades negras rurais formadas antes e após a abolição da escravidão, não exigindo a comprovação de vínculos sociais e históricas com agrupamentos de escravos fugidos.


Dimensões e importância das comunidades remanescentes de quilombos/comunidades negras rurais no Brasil e no Estado de Mato Grosso.

Segundo informações da Federação Cultural Palmares existem no Brasil 743 comunidades Remanescentes de Quilombos identificados e uma população estimada de 2 milhões de habitantes com uma area de 30,5 milhões de hectares.

Entretanto inúmeras pesquisas sobre colocam que este número estão subestimados e que os dados podem ser superior. A FCP no Seminário Quilombola no Brasil, realizado em Brasília em dezembro/2002, divulgou que existiam 1.200 comunidades remanescentes de quilombos no Brasil.

A “invisibilidade”, ou seja, a falta de dados sobre o numero de CRQ e informação sobre a situação sócio-econômica das mesmas e a pouca relevância dada aos problemas vivenciados por essas comunidades, ocorre em todos os Estados brasileiros e também em Mato Grosso.

No nosso estado, também não existe nenhum levantamento preciso do numero destas comunidades, bem como o levantamento da situação sócio –econômica das mesmas. De acordo com a F.C.Palmares existem 2 comunidades remanescentes de quilombos em Mato Grosso. O Grupo de Pesquisa sobre o Negro em Mato Grosso mencionou a existência de 7 CRQ, mas se refere a existência de outras .

Em pesquisa exploratória que realizei em 2002 e venho atualizando, constatei a existência de 55 l comunidades localizadas em diferentes municípios do Estado de Mato Grosso, mas tenho certeza que a quantidade destas comunidades é bem maior pois não conseguimos obter informações de todos os municípios.

LEGISLAÇÃO EXISTENTE SOBRE AS COMUNIDADES REMANESCENTES/COMUNIDADES NEGRAS RURAIS.

Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT da Constituição Brasileira

" Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos";

Artigo 33 do ADCT da Constituição do Estado de Mato Grosso

"O Estado emitira, no prazo de um ano, contado da promulgação desta Constituição e independentemente de legislação complementar ou ordinária, os títulos definitivos relativos as terras dos remanescentes das comunidades negras rurais que estejam ocupando suas terras há mais de meio século";

Artigos 215 e 216 da Constituição Brasileira

Art.215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

& 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

& 2 º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação , à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem :

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas ;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

& 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

& 2º. Cabem à administração pública, na forma da lei. A gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

& 3º. A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

& 4º. Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos , na forma da lei.

& 5º. Ficam tombados todos o documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Resumindo o artigo 215 e 216 determinam que o Poder Publico, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o Patrimônio Cultural Brasileiro - as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos e edificações e demais espaços destinados às manifestações artistico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontologico, ecológico e científico - portadores de referencias à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (entre eles os afro-brasileiros). Determinando especificadamente para este grupo étnico o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas de antigos quilombos. A proteção se dará por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

No caso do estado de Mato Grosso das 55 comunidades existentes apenas 2 são reconhecidas como remanescente de quilombo e apenas a Comunidade de Mata Cavalo teve suas terras tituladas, mas mesmo assim ainda não tem a posse plena da área, pois parte da mesma ainda se encontra em poder de fazendeiros e de famílias de sem terras. .

Segundo Linhares após a abolição da escravatura, os negros foram deixados a margem dos serviços sociais de atribuição do estado. “.As chamadas comunidades negras rurais, em particular após a Abolição, ficaram praticamente sem qualquer assistencia da parte dos órgãos oficiais, ficando, por falta de serviços sociais básicos imprencindiveis ao exercício da cidadania, socialmente, muito distante de outros grupos sociais que habitam no meio rural. (Linhares, 200:196).

Características das comunidades Negras Rurais
1 - Heterogeneidade

- étnica

- relações com a sociedade;

- acesso à povoados, cidades, aos mercados e aos acesso meios de comunicação de massa;

- na área, nº de famílias, população

- acesso aos serviços do Estado (Gov Estadual): educação, saúde, energia elétrica, assistência técnica ......

- religiosa;

- nível educacional de seus membros

- nível de organização .......

- no assumir a identidade de remanescente de Quilombo.

- na conservação e divulgação da história da comunidade.

- no conhecimento pelo público em geral, órgãos do Estado e meio de comunicação de massa.

- na divulgação de sua história.

2 – Homogeneidade
- Identidade étnica de predominância negra.

- terras de uso comum entre a família juntamente com espaços privados (terreno, casas);

- praticas de solidariedade de reciprocidade : .troca de serviço, mutirão, ajuda mútua;

- ancianidade da presença na terra

- organização de trabalho familiar e coletivo;

- grande respeito “aos mais velhos” e aos ancestrais;

- produção agropecuária e extrativista voltada para o consumo familiar e ao mercado.

- uso da memória oral para conservar as tradições e a história das comunidades;

- existência de normas internas que facilite a vida da comunidade;

- existência de fronteiras internas para distinguir que é e quem não é da comunidade, bem como direitos e deveres;

- bom nível de conservação do meio ambiente

- Dinamismo das comunidades que estão se transformando em conseqüência das mudanças sócio - econômica e política ocorrida na sociedade brasileira.


7 - BIBLIOGRAFIA- ALMEIDA, Alfredo Wagner B. Os Quilombos e as novas Etnias In LEITÃO, Sérgio (org.). Direitos Territoriais das Comunidades Negras Rurais. Documento do ISA (Instituto Sócio Ambiental), n.5, jan.1999.

- ANDRADE, Tânia (org.). Quilombos em São Paulo. São Paulo: IMESP, 1997.

- ANDRADE, Lúcia ; TRECCANI, Girolamo. Remanescentes de Quilombos. Texto digitado, s/d

- ARRUTI, José Mauricio Paiva Andiron. Etnias Federais. Tese do Doutorado em antropologia Social do Museu nacional, 2000

- Boletim Informativo NUER. Regulamentação de Terras de Negros no Brasil. Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas/Fundação Cultural Palmares. V.1, n.1. Florianópolis, 1997.

- ESTADO DE MATO GROSSO, Lei 7.755 de 26 Nov. 2002 - Institui Programa de Resgate Histórico e valorização das Comunidades Remanescentes de quilombos em Mato Grosso.

- ESTADO DO PARÁ. Lei Estadual n. º 6.165 de 02 de dezembro de 1998. Dispõe sobre a legitimação de terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos e dá outras providências

- ______. Decreto Lei n.º 3.572 de 22 de julho de 1999. Regulamenta a Lei n.º 6.165 de 2 de dezembro de 1998, que dispõe sobre a legitimação de terra dos remanescentes das comunidades dos quilombos e dá outras providências

- ESTADO DE SÂO PAULO . Decreto Lei n.º 41.774 de 13 de maio de 1997. . dispõe sobre o Programa de Cooperação Técnica e de Ação conjunta a ser implementada entre a Procuradoria Geral do Estado, a Secretária da Justiça e da Defesa do Estado, a secretaria do Meio ambiente, a Secretária da Cultura, a Secretária de Agricultura e Abastecimento, a Secretaria de Educação e a Secretária do Governo e Gestão Estratégica para a identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado de São Paulo e sua regularização fundiária ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais.

- MOURA, Antônio Eustáquio de. Comunidade remanescente do Quilombo Mata Cavalos -Etnicidade e Luta pela terra no Estado de Mato Grosso. Anais/Resumos da 54ª Reunião Anual da SBPC, 2002, sem paginação

- ____ . A situação e a luta pela terra das famílias negras da Gleba Sesmaria Boa Vida- Quilombo Mata Cavalos. Resumos do ll Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, São Carlos : Suprema Gráfica e Editora/ Universidade Federal de São Carlos,2002, p.81

- MOURA, Glória. A Força dos Tambores In SCHWARCZ, Lilia Moritiz; REIS, Leticia Vidor de Souza (orgs.) Negras Imagens. São Paulo: Edusp,, 1996.

- Revista Palmares. Quilombos no Brasil. Brasília, Fundação Cultural Palmares. . n.5, nov. 2000.

- Maria de Lourdes BANDEIRA. Território Negro em espaço Branco.São Paulo: Brasiliense, 1988.

Antonio Eustáquio de Moura
Professor da UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso, doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP e pesquisador sobre comunidades negras rurais em Mato Grosso.

Endereço – rua Nazareno Mingone, 909,apart 23, bairro Jardim do Lago, Campinas/SP, CEP – 13 050 022
Email-antomo@ig.com.br

2 comentários:

  1. Olá! Primeiramente, gostaria de dizer que muito útil me foi a leitura do texto. E, em segundo lugar, pergunto se você saberia me dizer os nomes das principais Comunidades de Remanescentes Quilombolas do Estado do Mato Grosso. Caso isso seja possível, ficaria muito agradecido se você me fizesse esse favor, enviando os nomes ao meu e-mail: joseoceli@hotmail.com É que, em pesquisas na internet, encontro informações muito incompletas, ou até contraditórias.
    Muito obrigado!

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