estrutura

17 de julho de 2011

Processo de territorialização das Comunidades do Quilombo Mata Cavalo e Comunidade Campina de Pedra, nos Municípios de Nossa Senhora do Livramento e Poconé – MT

Antônio Eustaquio de Moura
Professor Doutor da UFMT

Apoio- Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso – FAPEMAT


No Estado de Mato Grosso são relacionadas 160 comunidades rurais consideradas como comunidades quilombolas. Destas, apenas, 65 são reconhecidas como Comunidades Remanescentes de Quilombos pela Fundação Cultural Palmares, mas nenhuma recuperou toda a terra expropriada no passado.

Buscaremos analisar a luta pela terra travada pela Comunidade Campina de Pedra que busca territorializar-se utilizando a Legislação Federal e a Estadual e a luta das comunidades negras rurais do Complexo Sesmaria Boa Vida - Quilombo Mata Cavalo, as quais para obterem seus direitos e territórios, utilizam, também a ocupação das terras que lhes foram usurpadas no passado. Palavras Chaves - Comunidades Quilombolas; territorialização; direitos étnicos; Mato Grosso/Brasil

1 - Breve Histórico das Comunidades

1. 1 - Comunidade Campina de Pedra 2

Está situada nas margens da rodovia MT 451 (Estrada do COENGE), no município de Poconé/MT, a aproximadamente 100 km de Cuiabá, capital do Estado e 51 km da cidade de Poconé (sede do município). Possui 126 hectares

de terras e 28 famílias com uma população estimada de 112 pessoas.

Existem, também, outros parentes residindo em outras localidades, totalizando

20 famílias.

De acordo com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação Comunidade de Remanescente de Quilombos Campina de Pedra/Poconé – MT as terras da comunidade fazem parte da Sesmaria Formiga, que possuía uma légua de frente e outra de fundos, sendo localizada nas cabeceiras do ribeirão Formiga. A mesma foi solicitada por Manoel Martins Colosso e seu irmão Tomé Joaquim Ferreira 1 Engenheiro Agrônomo (UFV), Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, campus de Cáceres, MT. Tel. 65 92013897 eustaquiodemoura@yahoo.com.br

2 O uso do termo “comunidade” não significa ausência de conflitos internos e de diferenciação social.

Nestes grupos sociais existem conflitos internos, diferenciação social baseada em aspectos econômicos (área de terra, quantidade de gado, outras rendas não agropecuárias etc.) e em aspectos sociais (facilidade de acesso aos mediadores sociais, órgãos governamentais, imprensa etc.).
2 ...] Com a presente suplica para que V. Exa. Se digne com o seu paternal Amor deferir aos Suplicantes concedendo-lhes a Sesmaria e a Licença para mudar as próprias moendas e lambiques da Chácara para as novas roças para os suplicantes se arrancharem e utilizarem-se do serviço dos escravos inferiores, e poderem a custa de seu trabalho sustentar suas famílias, e escravos de lavras como sempre costumaram. (RELATÓRIO TÉCNICO..., 2009, p.64)

A solicitação foi concedida aos “suplicantes” em 1791.
De acordo com o INCRA, na elaboração da pesquisa documental visando a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação Comunidade de Remanescente de Quilombos Campina de Pedra/Poconé – MT foram encontrados nos arquivos da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Poconé

[...] registros de vários antigos moradores da Formiga, que são parentes diretos daqueles que hoje habitam a Campina de Pedra, inclusive refazendo a linha que os leva aos escravos que ocuparam a região no século XIX, tal como Felix Gonçalves Netto, ao que tudo indica pai de Benedito Mendes Gonçalves, de quem descendem todos os atuais quilombolas de Campina de Pedra [...] (2009, p.66)
A Sesmaria Formiga era conhecida e povoada deste o século XIX e em seu interior haviam as localidades Boa Vista, Fazenda Velha, Cachoeira, Capão da Abóbora, Várzea Grande [e Campina de Pedra] (RELATÓRIO TÉCNICO..., 2009, p.67)
A comunidade Campina de Pedra é formada por famílias descendentes de Benedito Mendes Gonçalves casado com D. Benedita Mendes Silva, o qual após a viuvez, casou-se com Clara Escolástica da Silva, ambas eram filhas de Silvério Bispo da Silva. Os filhos e filhas do casal foram formando famílias, as quais moravam próximas umas das outras, formando um pequeno arraial, em um local da Sesmaria Formiga, denominado “Cachoeira”.
A condição de escravo de Benedito Mendes Gonçalves e de Silvério Bispo da Silva, “raízes” (antepassados) das famílias de Campina de Pedra foi comprovada pela pesquisa documental do INCRA, através do registro de casamento de Felix Gonçalves Netto, pai de Benedito Mendes Gonçalves e através da certidão de batismo de uma das filhas de Silvério Bispo da Silva.

3 (vide paginas 66 e 71 e 72 do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação Comunidade de Remanescente de Quilombos Campina de Pedra)

Mesmo após a abolição da escravatura, as famílias negras continuaram na localidade da Formiga, na condição de libertos.

De acordo com a memória coletiva da comunidade as terras de que dispunham mediam em torno de 1.500 (mil e quinhentos) hectares. A área era utilizada “em comum”, as famílias moravam na região da Cachoeira e faziam suas plantações, principalmente, na localidade denominada “Campina de Pedra”, onde a terra era mais fértil.

Plantavam, principalmente, arroz, milho, feijão que eram utilizados para subsistência das famílias, e as poucas cabeças de gado eram criadas soltas no

cerrado.
Tempo da Medição, tempo da perda de terras
A situação da comunidade mudou, no inicio da década de 1960, quando Leonildo Pereira Leite, morador na Fazenda Japão, vizinha a comunidade, resolveu fazer medição de suas terras. Neste processo de medição, Leonildo propôs e conseguiu que as famílias da comunidade saíssem da região da “Cachoeira” e fossem para a “Campina de Pedra”. Neste processo, denominado pelos moradores locais de “permuta”, cada família ficou com 60m (sessenta) hectares. Ocupando uma área menor do que tinham no passado.

Após a “permuta” houve a saída de varias famílias da área, havendo venda de terras para fazendeiros e sitiantes. São varias as causas destes fatos, sendo a mais mencionada à escassez de água no período da seca.

Outros fatores, como o fato da terra ter sido transformada em mercadoria e a transformação das cidades em locais onde as famílias poderiam melhorar a vida, também podem ter contribuído para a venda de terras e ida de famílias para outras localidades

Os principais locais para onde as famílias da comunidade mudaram foram Várzea Grande, Cáceres e Poconé
1.2 - O Complexo (Gleba) Sesmaria Boa Vida Quilombo Mata Cavalo3
3 O Complexo Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo, também é denominado de Gleba Sesmaria Boa Vida - Quilombo Mata Cavalo, Gleba Mata Cavalo, Quilombo Mata Cavalo, ou simplesmente Mata 4 Esta situado no município de Nossa Senhora do Livramento/ Estado de Mato Grosso, à aproximadamente 40 km de Cuiabá e à 8 Km da cidade de Nossa Senhora do Livramento. A área estimada da gleba é de 13.627 hectares, o numero de famílias na área e fora da mesma é aproximadamente 400 (quatrocentas).

A Gleba é formada pela Comunidade Remanescente do quilombo Mata Cavalo, constituída pelas localidades do Ourinhos/Ponte da Estiva, Mata- Cavalo de Baixo, Mata-Cavalo de Cima e Mutuca onde residem as famílias negras; pela Gleba União habitada por famílias de sem terras4; região do Aguassú (onde vivem famílias remanescentes e famílias sem terra) e por área em poder de sitiantes e fazendeiros.

Os negros de Mata Cavalo obtiveram as suas terras através de doação feita pelo senhorio, em setembro de 1883, de parte da Sesmaria Boa Vida. E também, no final do século XIX , por meio de compras de pedaços do restante da referida sesmaria.

Entretanto apesar dos mesmos terem os documentos da doação e de compras de terras na área, eles passaram a sofrer pressões para saírem das mesmas, mas conseguiram êxito na resistência às primeiras tentativas de expropriação de suas terras.

.De acordo com a memória coletiva dos negros da gleba, o principal caso de expropriação de suas terras foi executado, nas primeiras décadas do século XX, por Manoel Monteiro (político do município e dono de um pequeno pedaço de terra na gleba).

A maioria das famílias negras da Gleba saiu de suas terras devido às ameaças e violências, algumas abandonaram a terra, outras venderam suas áreas para Manoel Monteiro, ou para outros fazendeiros que adquiriram terras vendidas por Manoel Monteiro.

As tentativas de expropriação das terras das famílias negras do complexo Mata-Cavalo foram continuas, tendo iniciado logo após a doação da Cavalo. Esses nomes variam de acordo com a pessoa ou instituição que os utilizam e no contexto em que é utilizado.

4 As famílias de sem terras não tem parentesco com os antigos moradores negros da gleba Mata Cavalo.

Estas famílias não são ligadas ao Movimento Nacional dos Sem Terras/MST. Nos primeiros meses de ocupação da gleba, formaram uma associação (ASTELIVRA). Posteriormente passaram a se autodenominarem de pequenos produtores rurais, mas continuam a serem denominados de Sem Terras, pelos negros da gleba e pela sociedade inclusiva.

5 área e concretizado na primeira metade do século XX. Algumas famílias negras resistiram ao processo de grilagem, e conseguiram manter parte das terras e permanecer na área. Alguns moradores permaneceram na área como trabalhadores dos fazendeiros. A maioria das famílias perdeu suas terras, e se mudaram para Cuiabá, Várzea Grande e Nossa Senhora do Livramento.
2 – O Processo de luta pela terra nas comunidades Negras do Complexo Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo e na Comunidade Campina de Pedra


As Comunidades Negras Rurais Complexo Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo e a Comunidade Campina de Pedra ao lutarem por suas terras iniciaram, a partir dos anos 1990, um processo de mudança de identidade social, passando a se identificarem como Comunidade Remanescente de Quilombo. Entretanto, chegaram a etnogenese dessa identidade étnica por diferentes caminhos.
2.1 - No Complexo Sesmaria Boa Vida - Quilombo Mata Cavalo O motivo das comunidades negras de Mata Cavalo se auto-identificarem como quilombolas foi a luta pela retomada de suas terras. Algumas famílias negras resistiram ao processo de expropriação de suas terras, tendo êxito parcial em alguns locais, principalmente, na Comunidade da Mutuca, onde conseguiram manter parte dá área.

Após a saída da maior parte das famílias da área, foi iniciado um processo de retorno à gleba através da aquisição de terras. A memória coletiva foi um grande sustentador do processo de retomada da terra, pois as famílias sempre lembravam e passavam para seus descendentes as lembranças da época em que eram donos da terra e essas lembranças eram tidas como de fartura e de solidariedade étnica e vicinal. Além disso, sempre lembravam as formas ilegais e as vezes violentas utilizadas para expropriá-los.

Os cemitérios e os restos ou locais das antigas casas eram utilizados como “lugares da memória”. As Festas de Santo realizadas pelas famílias que moravam na gleba ou na Casa São Benedito, localizada na Cidade de Nossa

Senhora do Livramento/MT, eram momentos de ativação da memória social e de reativação e fortalecimento dos laços étnicos e de parentesco.

Na década de 1980 e inicio de dos anos 1990, as famílias negras expropriadas da terra realizaram varias tentativas, sem sucesso, de retomada da área através de ocupações. Estas tentativas fracassadas redundaram em uma aliança das mesmas com um segmento do Movimento dos Sem Terras (não ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST). Juntos, em 1996, iniciaram um processo de ocupação da gleba, criando acampamentos e enfrentando os fazendeiros e sitiantes não negros moradores na área.

Nesse processo de luta pela terra as famílias da Gleba, através de mediadores sociais, aliados ao movimento, descobriram a Legislação Brasileira referente aos direitos fundiários dos Remanescentes de Quilombos. Iniciou-se, assim, um processo de etnogenese da Identidade de Remanescente de Quilombo.

Utilizando dessa identidade e da Legislação Nacional, passaram a reivindicar seus direitos e ações do Governo Federal e Estadual. Visando a efetivação dos seus direitos, romperam a aliança com as famílias Sem Terras, e realizaram inúmeras idas à Cuiabá, buscando ações dos órgãos governamentais, apoio de movimentos sociais e a visibilização de suas lutas e reivindicações através dos meios de comunicação de massa.
2.2 - Na Comunidade Campina de Pedra

A busca em retomar as terras, que tinham no passado, também foi o fator mobilizador da etnogenese da Identidade de Comunidade Remanescente de Quilombo na Comunidade Campina de Pedra. Visando reaver suas terras já haviam, sem êxito, tentado utilizar a técnica de fazerem acampamento junto à área reivindicada, uma tática semelhante à utilizada pelas famílias do MST em outras localidades.

De acordo com depoimentos de lideranças da comunidade, eles tiveram acesso à informações sobre a Identidade de Remanescente de Quilombo e sobre os direitos relacionados à essa identidade, através de pesquisa e, posteriormente através dos trabalhos de extensão, realizados por um professor da Universidade do Estado de Mato Grosso. Através de reuniões, palestras, filmes, visitas à outras comunidades, e contatos com órgãos governamentais, gradativamente, as lideranças da comunidade, dentre as identidades disponíveis, optaram por serem remanescentes de quilombos, em vez de pequeno produtor rural, trabalhadores rurais ou negros rurais. O principal motivo desta auto-identificação foi constatação que poderiam utilizar a referida identidade como meio de reaver suas terras, bem como obter melhorias para a comunidade.

As lideranças de Campina de Pedra cientes de que a comunidade, sozinha, não conseguiria a atenção dos órgãos públicos encarregados de implementarem a Legislação Federal (Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT da Constituição Brasileira de 1988 e dos artigos 215 e 216 da referida Constituição) e da Legislação Estadual (Artigo 33 do ADCT da Constituição Estadual de 1989 e da Lei 7.775/2002) passaram a serem divulgadores do Movimento Quilombola em Poconé conseguindo a participação ativa de expressiva parcela dentre os 36 (trinta e seis) agrupamentos negros rurais existentes no município.
3 – O processo de Territorialização das Comunidades Negras do Complexo Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo e da Comunidade de Campina de Pedra

De acordo com Pacheco de Oliveira o “Processo de Territorialização” é um movimento no qual um objeto político-administrativo [uma comunidade] vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisões e de representação, e reestruturando as suas formas culturais (1998, p.56).

Segundo Pacheco de Oliveira o “processo de territorialização” por que passa uma comunidade implica em diversas mudanças tais como: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural, mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado.” (1998, p. 55).

O processo de territorialização se inicia com uma ação do Estado, geralmente através de legislação especifica relacionada ao segmento social que é objeto da ação estatal. No caso das comunidades negras, o referido processo começou com a Constituição Brasileira de 1988, através do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT da Constituição Brasileira de 1988 e dos artigos 31 e 32 da referida Constituição. No caso especifico do Estado de Mato Grosso, também, houve a influencia da Legislação Estadual - Artigo 33 do ADCT da Constituição Estadual de 1989 e da Lei 7.775/2002. Fruto deste cabedal jurídico administrativo inúmeras comunidades negras rurais e urbanas assumiram a Identidade Quilombola e passaram a reivindicar os direitos previstos pela legislação existente, este processo de etnogenese continua crescente, tanto a nível federal quanto estadual. Em 2000, a Fundação Cultural Palmares divulgou a existência de 743 (setecentos e quarenta e três) comunidades no Brasil, com localização em quase todos Estados Brasileiros, e no caso de Mato Grosso, a referida entidade indicou a existência de 2 comunidades (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2000, p. 19). Estes dados foram ampliados no decorrer do tempo, de forma que segundo o Ministério de Desenvolvimento Social e de Combate a Fome – MDS a Fundação Cultural Palmares mapeou 3.524 (três mil e quinhentos e vinte e quatro) comunidades quilombolas no Brasil, mas outras fontes, no entanto, estimam que sejam 5 mil comunidades. Em Mato Grosso, o Conselho de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso- CEPIR/MT afirma que existem em torno de 160 comunidades quilombolas.

Entretanto apesar da expressividade desses números, muito pouco esta sendo feito para a concretização das Políticas Publicas preconizadas pela Legislação Federal e o Programa Brasil Quilombola. Um dos comprovantes desta lentidão é o numero de comunidades que receberam o Certificado de Comunidade Remanescente de Quilombo, emitido pela Fundação Cultural Palmares, o que habilita a comunidade a obter as Políticas Publicas destinadas as Comunidades Quilombolas. Apenas 1.667 (hum mil e seiscentos e sessenta e sete) comunidades foram certificadas no Brasil e 65 (sessenta e cinco) no Estado de Mato Grosso (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2011). Outro indicador importante do descumprimento da Legislação referente aos direitos das comunidades quilombolas é a pequena porcentagem gasta dos recursos federais e estaduais destinados aos remanescentes de quilombos. Esta situação faz com que a Legislação sobre os Quilombolas e as instituições destinadas ao cumprimento das mesmas sejam consideradas como sendo para “Inglês Ver”, o que no ditado popular significa existe, mas não funciona. Essa situação fica expressa nos gastos dos recursos federais destinados aos quilombolas. No texto Brasil: Governo resiste a reconhecer territorialidade quilombola, Ricardo Verdum (2011) analisa os gastos do Governo Federal nos diversos programas destinados aos quilombolas concluindo que nos atores institucionais envolvidos no Programa Brasil Quilombola, em 2008 e 2009 o valor liquidado não alcançou a marca de 24% do orçamento autorizado, repetindo resultado semelhante ao de anos anteriores, e que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o INCRA, utilizaram somente 13,26% do recurso autorizado em 2008 e 15,02% do autorizado em 2009.

Nas Comunidades Negras do Complexo Sesmaria Boa Vida- Quilombo Mata Cavalo e na Comunidade Campina de Pedra no Processo de Territorialização ocorreu:

- A institucionalização do quilombo na forma de associação. Em Mata Cavalo, foi constituída a Associação Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo, uma associação geral de todos os quilombolas da área. Em Poconé foi criada a Executiva das Comunidades Negras Rurais e das Comunidades Quilombolas do município.

- Uma intensa reelaboração da cultura local, ressaltando as manifestações culturais da população do quilombo e suas “raízes afro-brasileiras”. Esseprocesso inclui a introdução de um componente cultural e político nas festas de santo tradicionais, bem como a criação de manifestações culturais específicas para ressaltar a cultura e a identidade quilombola, tais como a Feira Cultural no Quilombo Mata Cavalo e as comemorações do “20 de Novembro Dia da Consciência Negra” pelas comunidades negras rurais e comunidades quilombolas de Poconé .

- A reelaboração da memória social através da valorização das "lembranças dos mais velhos" e do “enquadramento da memória”. Esse enquadramento da memória implica na escolha de depoentes autorizados pelas lideranças locais, como verdadeiros "especialistas da memória" encarregados de guardar e divulgar a história das comunidades. Na valorização e divulgação da memória social do quilombo e de suas comunidades negras, há disputas entre memórias” concorrentes, no caso com as memórias das famílias de sem terra, das famílias negras que não se consideram quilombolas, e das Comunidades ou famílias que recusam a identidade de Comunidade Negra Rural ou de Comunidade Quilombola.

- A valorização de aspectos relacionados à identidade de remanescente de quilombos vistos positivamente, sobretudo a cultura quilombola, a preservação da natureza e o caráter não-mercantil da terra.

– A busca constante de obter aliados nos movimentos sociais, órgãos governamentais e ONGs;

- A procura em “dar visibilidade as comunidades, suas condições de vida e suas reivindicações através dos meios de comunicação de massa, manifestações e eventos (exposições, festas etc.).

Duas grandes diferenças aparecem nas lutas desenvolvidas pelas comunidades quilombolas do Complexo Sesmaria Boa Vida – Quilombo Mata Cavalo e pela Comunidade Campina de Pedra. Em Mata Cavalo as comunidades não ficam atreladas aos marcos legais previstos pelas Legislações vigentes, em alguns casos fizeram e fazem manifestações e ocupações. No caso de Campina de Pedra se destaca á busca da comunidade em estender o movimento para as outras comunidades, não ficando atrelada aos seus próprios limites. Outra especificidade é não se envolver em conflitos com os atuais proprietários das terras que possuíam no passado.

Nas duas localidades não existe um consenso geral entre as famílias quilombolas, existindo divergências internas na forma de luta e encaminhamentos gerais. No Complexo Sesmaria Boa Vida Quilombo Mata Cavalo existem divergências e disputas tanto entre as comunidades, quanto entre suas lideranças. No caso de Campina de Pedra algumas famílias não aceitam a Identidade de Remanescente de Quilombo e se recusam a continuar participando do Movimento Quilombola, apesar de participarem de outras atividades da comunidade.

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Fonte -  Autor:  Antônio Eustaquio de Moura
Professor Doutor da UFMT

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