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28 de agosto de 2013

HIDROVIA. . . ? ! A HISTÓRIA NÃO SE REPETE SENÃO COMO FARSA

Ricardo Vanini

Há milhões de anos quando os continentes se afastaram e as Cordilheiras dos Andes soergueram, a natureza definiu que a 1500 quilômetros dos Oceanos Atlântico e Pacífico, no coração da América do Sul, uma área de 230.000 mil km², inicialmente denominada pelos espanhóis de Laguna de Los Xarayés, e, séculos depois, de Pantanal, seria dentre tantos adjetivos, o “ÚTERO MAIS GENEROSO DA TERRA”. 

O Homem, descobridor de sete mares, não poderia deixar de viver nessa maravilha. Aqui estavam os Pré-Colombianos, há pelo menos 10 ou 12 mil anos, vindos por variadas rotas. Eram os mongóis da Rota Malaio-Polinésia, os esquimós da Rota Ártica, e outros vindos pela Rota Australiana no extremo sul do continente americano, pelo Estreito de Bering localizado entre o Alaska e a Rússia, bem como pelas Rotas Oceânicas através das Ilhas do Pacífico. Todos tendo em comum o traço físico: cabelos negros e lisos, olhos puxados e amendoados e a pele amarela.

Se aproveitando de quatro fatores fundamentais como da geografia, do solo, do elevado número de rios e das formações que o circundam, os milhares de homens-índios ou índios-homens habitantes da região, viviam agrupados em nações com culturas e línguas diferenciadas, tinham entre si uma demarcação natural de seus territórios, fabricavam cerâmica, cultivavam milho, tinham o peixe como sua base alimentar e mantinham uma integração equilibrada com a natureza.

Assim foi durante muitos séculos até a chegada do homem branco europeu em busca de riquezas que alimentassem sua expansão mercantilista. Um dos primeiros a visitar o Pantanal, via estuário do Prata, numa busca obstinada pelas lendárias minas de ouro e prata do império Inca, foi o conquistador-explorador espanhol Cabeza de Vaca em 1542. Durante a intensa ocupação do Gran Chaco e do Alto Paraguai, nos primeiros tempos da conquista européia, entre a chegada dos espanhóis no século XVI e o início da colonização portuguesa no século XVIII, fascinantes grupos culturais como os Xarayés, sucumbiram e foram dizimados.

Desobedecendo ao que estabelecia o Tratado de Tordesilhas (1494), “Anhanguera” e outros bandeirantes paulistas adentraram as terras pantaneiras em busca de índios, com a esperança de encontrar metais e pedras preciosas. Em 1719 Pascoal Moreira Cabral descobre ouro e funda Vila Real de Bom Jesus de Cuiabá. Para abastecimento desses núcleos populacionais surgem as monções fluviais, que por qualquer das duas vias utilizadas sempre atingiam o Rio Paraguai. Depois vieram o Tratado de Madri em 1750 e de Santo Ildefonso em 1777. É criada a Capitania de Mato Grosso em 1748, e a capital Vila Bela da Santíssima Trindade em 1752.

Nesse período, mais exatamente em 1778, Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, escolhe no mapa um ponto em que o caminho entre Cuiabá e Vila Bela cruza com o Rio Paraguai, com disponibilidade de rios, lagoas e terras secas excelentes, oferecendo condições ideais para a fixação do homem. Dessa forma ordena a fundação de Vila Maria do Paraguai, elevada à categoria de povoado à vila em 1859, e, à de cidade em 1874. 

Desde então Cáceres bebe e respira o Rio Paraguai, espinha dorsal do Pantanal Matogrossense. São 234 anos de histórias, rezas, festas, lendas e causos. Jacobina a célula-máter, onde tudo começou. Agricultura, pecuária e extrativismo animal e vegetal, por muitos anos a subsistência. Tem ainda a poaia, a borracha, charqueadas, o celeiro da morraria, as usinas de cana de açúcar. 

Com o fim da Guerra do Paraguai (150 mil mortos) e, graças às “tapagens”, Cáceres, intacta, recebe novos pioneiros tanto do país como do exterior. Aporta os Dulce, Leon Mounier, Villanova, Castrillon, Kassar. Passa Sabino Vieira, Coluna Prestes, Hércules Florence, Langsdorf, Marechal Rondon. Theodore Roosevelt contempla o mais belo por do sol do mundo.

Em meados do século XX Cáceres fazia divisa com o Estado de Rondônia e possuía uma área de 50.000 km². Ocorrem então as naturais e sucessivas emancipações, consolidando-a como município mãe. Hoje, restam-lhe 24.351 km², dos quais 50% em ambiente pantaneiro, evidenciando sua vocação em pecuária de corte extensiva bem como município prestador de serviço em saúde e educação, com grande potencial para o turismo. Nessa mesma época entra em declínio a navegação fluvial, abre-se a rodovia ligando Cáceres a Cuiabá, e o comércio experimenta uma nova fase por via aérea. A ponte Marechal Rondon consolida a fronteira oeste nacional.

Considerado um “espaço vazio” o Estado é visto como um novo El Dourado. Deveria ser povoado e ocupado. Surge o PIN, PRODOESTE, POLONOROESTE, PROTERRA, POLOCENTRO. Mato Grosso vai se transformando num arquipélago de ilhas férteis, rodeadas de cinturões de miséria. Grandes projetos promovem o desmatamento nas cabeceiras, assoreamento, derrubada e queimada das matas e cerrados, para em seu lugar implantar a monocultura. Passa a ser o maior produtor de grãos do País.

A navegação pelo Pantanal, como visto, sempre foi praticada desde os tempos pré-coloniais, ocorrendo sempre em uma dimensão compatível com as condições de sua principal artéria, o Rio Paraguai e os 175 rios e 4.000 mil km de canal que o formam. São 656 espécies de aves, 35 de anfíbios, 263 de peixes, 122 de mamíferos, 127 de répteis e 1.647 espécies de plantas.

É inimaginável na sinuosidade de suas curvas, baías, corixos e vazantes, dos seus ninhais, sítios arqueológicos, vitórias-régias, camalotes, dos 32 milhões de jacarés, 600 mil capivaras, 1.100 espécies de borboletas, etc., ou mesmo durante as épocas de formação de cardumes (piracema) de desova de peixes, a presença de gigantescos comboios com 210 metros de comprimento, 36 metros de boca, enormes chatas, rebocadores e empurradores, arrebentando com suas barrancas e mata ciliar.

Para que não fiquem apenas belas lembranças de um belo rio que foi palco de grandes conquistas, e não se ouça ao longe o cântico lutuoso da morte de seu leito, o miscigenado homem pantaneiro de sangue forte do índio com contribuição do negro e do branco, deve invocar o inconfundível apito do Etrúria para a proteção do Patrimônio Natural da Humanidade (UNESCO) e Reserva da Biosfera, contra o ESTUPRO do ÚTERO do mundo, sob pena do ABORTO de futuras gerações.

Ricardo Vanini é Bacharel em Turismo – Cáceres- MT

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