por João Bosquo
Edson Rodrigues/Secom-MT
Dona Domingas
Domingas Leonor da Silva, Dona Domingas ou Dominguinhas, como é carinhosamente chamada por amigos e parentes, que não são poucos. Há mais de meio século ela vem sendo referência quando o assunto é cultura popular em seu sentido mais amplo: ser e fazer a arte com as próprias mãos. Domingas é artesã e também constrói o próprio viver com sonhos e ambições na mesma comunidade onde viveram sua avó, uma índia coxiponés, sua mãe e a própria Domingas. Agora ela prepara o terreno para seus filhos e netos.
Dona Domingas, aos 60 anos, moradora de raiz do bairro São Gonçalo Beira Rio, na região do Coxipó, conta que desde os oito anos conhece as artes da dança do siriri, de ouvir o cururu de velhos curureiros, de mexer com o bairro e criar pequenas formas do artesanato regional, que hoje são também uma fonte de renda da família. Junto com a artesã convive também a gestora cultural, a mestra de cultura, compositora, dançarina, coreógrafa e chefe de cozinha.
O siriri, ressalta, é uma dança de roda, mais animada, que o cururu. Enquanto o cururu é feito apenas por homens, que cantam suas toadas de versos em homenagem a santos, pessoas, acompanhadas de viola de cocho e taboca (ganzá de taquara), o siriri, além desses instrumentos ainda tem o mocho, um banco de assento de couro, que substitui a antiga bruaca. É a alegria das meninas e rapazes.
Assessoria SEC
Flor Ribeirinha
Domingas Leonor diz que o siriri de hoje é diferente do seu tempo de criança. O tempo muda tudo. "Antigamente o siriri era mais simples", lembra. Brincava-se nos quintais das casas de família, nas festas de santo, de aniversário, até casamento, como passatempo. Agora tomou outro rumo e, apresentado como um espetáculo para outros públicos, com vestimentas produzidas para ressaltar o bailado e chamar a atenção da plateia. "A única coisa que continua igual, embora dançando no palco, é que nós todos nos apresentamos de pés descalços. Precisamos manter a originalidade", avisa.
Para as apresentações, Dona Domingas criou a Associação Cultural Flor Ribeirinha, que hoje conta já com CNPJ. Além do siriri o grupo apresenta também o rasqueado estilizado em shows do trio Pescuma, Henrique e Claudinho e também o Boi à Serra. Essa manifestação, que conta a vida e morte de bois bravios e vaqueiros destemidos, compõe a cultura de Santa Catarina, como nome de Boi-de-mamão, do Pará, a Dança do Boi, e de São Paulo, Maranhão e Mato Grosso como Boi-à-Serra. Segundo Luiz Câmara Cascudo, em seu "Dicionário do Folclore Brasileiro", essas danças no Brasil acontecem nas "regiões da pecuária, vive uma literatura oral louvando o boi, suas façanhas, agilidade; força, decisão. Desde fins do século XVIII os touros valentes tiveram poemas anônimos, realçando-lhes as aventuras bravias". De suas características originais, sobrou bem pouco. Além do carnaval, o Boi-à-serra pode ser dançado em qualquer festa.
Domingas Leonor trabalha essencialmente com a cerâmica e, do barro, cria travessas peixes, travessas galinhas, potes, moringa, talha , cumbuca para feijoada, maria-isabel. O barro usado é recolhido perto de São Gonçalo, 500 metros rio abaixo. Depois ele é triturado, peneirado, seco em forno e, novamente, socado, peneirado e já está pronto para ser trabalhado.
"Trabalhar com argila é uma terapia", reconhece. Ela conta que já realizou oficinas e algumas pessoas que participaram apresentavam sintomas de depressão e depois de algumas aulas já estavam mais animadas. Hoje fazem trabalhos em casa de forma permanente. Essa terapia, Domingas também colocou em prática por mais de uma década no CAPS Adauto Botelho, no denominado hospital-dia. Além da cerâmica, ela trabalhava com os pacientes com música, formando grupos de danças e cantoria. "Os remédios são importantes, sem dúvida, mas a terapia ajuda bastante", analisa.
Entre apresentações, confecção de peças de cerâmicas, oficinas de artesanato, o espírito de empreendedora está presente em todas as atividades. Domingas Leonor quer abrir agora um restaurante no Quintal da Domingas, quando vai mostrar seus dotes culinários, especialmente nos peixes. O bairro de São Gonçalo, em homenagem ao santo, protetor dos dançadores e das pessoas desvalidas, tem esse perfil. A comunidade atual trabalha com o artesanato, restaurantes e dançadores. Domingas Leonor da Silva se sobressai porque foi uma das primeiras ativistas no processo de resgate da cultura mato-grossense nos anos 80.
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