CAROLINE LANHI
Redação/Secom-MT
Depois que Charles Miller apresentou o futebol ao Brasil, o esporte caiu na boca do povo – literalmente. Termos específicos do esporte acabaram ganhando novos sentidos. A popularização do rádio deu ainda mais força a esse processo, pois os locutores buscavam prender a atenção do ouvinte com jargões. Desde então, seja ano de Copa do Mundo ou não, o brasileiro transporta jargões do futebol para situações do dia a dia e vice e versa.
Mandou para escanteio, matou no peito e saiu jogando, levou uma bola nas costas e chegou com o pé no peito são algumas expressões com origem no futebol que há anos fazem parte da vida do radialista e narrador esportivo William Gomes – que até já fez uma lista de 400 jargões esportivos para colaborar com uma pesquisa acadêmica. A relação de palavras não está mais com ele, mas bastam alguns minutos de papo para o narrador incluir os jargões na conversa.
Na língua, explica a doutora em linguística Alice Saboia, cada vez que surge uma nova situação, acaba se tomando emprestada a linguagem de acontecimentos análogos. Assim, do mesmo modo que jargões futebol ganham novos sentidos em situações corriqueiras, o esporte também busca em outras áreas metáforas para explicar uma jogada. “A linguagem pode ser específica, mas não é exclusiva de determinada área. Ela pode ser reaplicada em situações que se assemelham, mas que não são da mesma natureza”.
Da guerra, por exemplo, foram emprestados termos como “bomba” e “tiro”, que remetem a um chute forte. Já o famoso “frango” é realmente a tentativa frustrada de agarrar a ave, só que dentro de campo essa ave nada mais é do que a bola. Nessa lista ainda podemos acrescentar termos como “chapéu” e “carrinho”. “A linguagem é sempre reaplicável a novas realidades e isso não é diferente com o futebol”, esclarece a professora, acrescentando que no caso do futebol, que é de origem inglesa, o esporte também teve a linguagem adaptada no Brasil.
Para o radialista William Gomes, os jargões e bordões esportivos são expressões que mudam ao longo dos anos, pois também são influenciados pela época em que foram
criados. Enquanto alguns se tornam eternos outros caem no esquecimento. Quem se lembra da época que a bola era chamada de balão de ouro ou simplesmente couro? Foi na Copa de 1962, explica o radialista. E esse é apenas um dos “apelidos” conferidos ao objeto, que já foi chamado de esfera, gorduchinha e deusa branca, recorda Gomes. “As expressões retratam um momento. À medida que se renova o quadro de profissionais do esporte se renova a linguagem utilizada”.
Muito tempo se passou, mas os jargões “ripa na chulipa” e “pimba na gorduchinha”, emplacados pelo ex-locutor esportivo Osmar Santos – que fez história em emissoras como Jovem Pan, Record e Globo –, não saíram por completo da vida do gerente comercial Edimir Bispo dos Santos, 56. São os primeiros que veem à mente dele quando o assunto é futebol. Edimir apenas lamenta a falta de novos jargões e frases de impacto tão bons quanto os de antigamente. "Na época do rádio eram criadas muitas expressões. Hoje, com a tecnologia, isso diminuiu muito”, avalia.
Essa mesma análise é feita pelo cronista esportivo Nelson Severino, autor do livro Folclore do futebol de Mato Grosso: casos de todos os tempos. O escritor defende que na época do rádio os locutores esportivos eram mais criativos, afinal era preciso prender a atenção do ouvinte dada às dificuldades tecnológicas da época. Na Copa de 1958, por exemplo, a transmissão era interrompida várias vezes durante o jogo, tudo por questões técnicas. “A voz simplesmente sumia”, recorda Nelson.
Já em Mato Grosso, entre tantas expressões e histórias que surgiram no período de “ouro” do futebol no estado, Nelson registrou no livro uma que considera especial. Apesar de ter chegado a Cuiabá apenas em 1976, o escritor conta que em 1965, quando o Mixto ganhou o Campeonato Mato-grossense de Futebol sobre Dom Bosco, com um placar de 2x2, o narrador esportivo Márcio Arruda saiu com o bordão que faria história.
O Dom Bosco ganhava de 2x0 até que o Mixto, após os 40 minutos do segundo tempo, conseguiu marcar dois gols. “Contra o Dom Bosco tudo é possível”, disparou Márcio Arruda ao fim do jogo. “Dombosquino de primeira hora, Márcio de Arruda, cujo desabafo raivoso ficou famoso nos meios esportivos da capital, não se conformava como o seu time havia perdido o campeonato”, registrou o autor.
Confira a enquete: Qual o jargão do futebol que você mais usa no dia a dia?
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