ALINE COELHO
Assessoria Seduc/MT
Hoje, 58 catadores frequentam as aulas na sala de extensão da Assacavag
Os bonés e chapéus entre os amontoados de papelão sinalizam que mais um dia de trabalho começou na sede da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Várzea Grande (Assacavag). Uma das fundadoras da associação cruza o galpão em direção a uma sala, já está na hora da aula. Aos 71 anos, Maria Rossi, que mora no bairro Cidade de Deus, em Várzea Grande, nas proximidades da cooperativa, voltou a estudar após uma “pausa” de quase 50 anos. Ela compõe o grupo de 58 catadores e moradores da região que estudam na sala de extensão do Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) Licínio Monteiro, que funciona dentro da Assacavag.
As aulas no local começaram em abril deste ano e são realizadas por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e a associação, que proporciona educação básica para os trabalhadores nos períodos matutino e vespertino. “Eu já estou fazendo hora extra nessa terra né? Por mim, eu só faria a minha parte, viria trabalhar e cuidaria da minha vida, mas as professoras e os colegas insistiram tanto que resolvi estudar. Estou vendo coisas que eu nem imaginava que existiam e estou me saindo bem”, comemora a trabalhadora que deixou a sala de aula aos 12 anos, quando cursava a 2ª série do ensino fundamental.
Maria desabafa que em sua época o pai acreditava que que as meninas não deveriam andar sozinhas depois que entrassem na puberdade e, por isso, foi retirado de o direito de estudar. A catadora se casou aos 15 anos e aprendeu a escrever conforme as necessidades surgiam, mas a grafia das palavras era igual aos sons que elas produziam. Já as operações matemáticas melhoraram conforme os cinco filhos - apenas três estão vivos – frequentavam a escola. A aluna sorri quando fala da família, conta orgulhosa que todos os filhos estudaram. Uma filha, inclusive, está concluindo o curso de Letras e um dos netos que ela criou também estuda Logística.
Colega de sala, Antônio, que por estar sempre sorrindo é conhecido na comunidade como “Gargaia”, é surdo. Ele não usa a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e agora faz aulas de alfabetização. A primeira vitória já aconteceu, Gargaia aprendeu a escrever o próprio nome. O estudante diz que por já ter passado dos 50 anos e possuir múltiplas deficiências é aposentado. Conta ainda que a sorte dele foi morar próximo à associação, pois com a colaboração de uma amiga começou a trabalhar e estudar.
A amiga a que ele se refere é uma das fundadoras da cooperativa, Carmelinda Pereira, que fala mais sobre o amigo, já que este na maioria do tempo gesticula para ser compreendido. “Ele mora no Jardim Eldorado e tinha vergonha de ir em outras escolas, então ficava na rua ou em casa sem fazer nada. Agora ele passa o dia todo aqui, parte trabalhando e parte estudando”.
Carmelinda, que está com 56 anos, recolhia recicláveis em Várzea Grande e Cuiabá acompanhada dos filhos. Por vezes tentou voltar a estudar e ia à escola acompanhada das crianças. Hoje, o filho caçula trabalha com mãe na cooperativa e estuda com ela na mesma sala de aula. Antes da sala de extensão na cooperativa, Carmelinda precisava caminhar por três quilômetros depois de um dia inteiro de trabalho. “A preguiça maior era tomar banho, porque eu sentia que o meu cheiro incomodava os outros estudantes. Agora eu só atravesso o papelão e já estou dentro da sala”, relata, referindo-se aos recicláveis amontoados no barracão da cooperativa.
Aline Coelho / Assessoria Seduc-MT
União também despertou nos alunos o interesse por artesanato a partir dos materiais recicláveis
Outra estudante da sala de extensão que deve concluir o ensino médio esse ano é Josiene Aparecida de Souza. A catadora de 28 anos desistiu de estudar quando tinha apenas 15 anos. Hoje, casada e com um filho, a jovem decidiu voltar às salas de aula. “Meu esposo e eu estamos desempregados, e eu tenho mais dificuldade em encontrar trabalho por falta do diploma“, conclui.
Na própria sala de aula os alunos têm um incentivo para continuar estudando. A professora de ciências biológicas, Lucília dos Santos Pereira, é ex-catadora. Ela conta que faz o percurso entre o bairro onde mora e a sala de extensão como fazia quando trabalha com reciclagem, a pé ou de bicicleta. “Essa sala de aula era um sonho desde que começamos a associação, há sete anos. Dessa vez, convidamos os catadores e as pessoas da comunidade para assistir aula e mostramos para a Seduc que tínhamos demanda, e fomos atendidos”.
Dividindo espaço com as aulas e os trabalhos produzidos pelos alunos estão os artesanatos feitos pelos próprios catadores. Conta a a vice-presidente da Assacavag, Sueli Souza, que a união dos trabalhadores na sala de aula incentivou a cooperação para o desenvolvimento de trabalhos manuais. “Possuímos a matéria prima para transformar em arte, mas precisamos de doações de outros materiais, como tintas e linhas que muitas vezes não têm mais utilidade para as outras pessoas, mas para nós sim”.
Assim como os demais colegas, Sueli casou cedo e aos 39 anos tem seis filhos e quatro netos. Trabalhava como catadora no lixão de Várzea Grande antes de ir para a associação, há três anos. Agora, retomou os estudos e cursa a 5ª série do ensino fundamental.
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