“Passarinho de toda cor
Gente de toda cor
Amarelo, rosa e azul
Me aceita como eu sou”
Somos milhares. Reunidos em Hidrolândia, Goiás, entre os dias 14 e 16 de dezembro de 2018, representando todos os estados do Cerrado brasileiro, somos diversos. As Juventudes do Cerrado são preta, indígena, quilombola, feminista, camponesa, sem terra, atingida por mineração e barragens, quebradeira de coco, pescadora, vazanteira, LBGTQ+, fundo e fecho de pasto, raizeira, benzedeira, agricultora familiar, geraizeira, ribeirinha, extrativista e tantas outras múltiplas identidades que viemos aqui reforçar. A riqueza da nossa diversidade é também nossa fortaleza na construção de uma unidade disposta a conservação dos nossos territórios e modos de vida. Nossos passos vêm de longe. Fortalecemos a nossa resistência também valorizando os saberes das nossas ancestralidades, usando-os para inspirar as lutas que virão. Nesse sentido, somos sujeitos políticos que querem ser ouvidos pelos movimentos e organizações sociais como uma força política consciente de que projeto de Cerrado brasileiro queremos construir, e que estamos construindo.
O rico compartilhamento de experiências que trazemos, as lutas pela valorização das Escolas Famílias Agrícolas, nossas cooperativas de beneficiamento e produção, nossa comunicação popular, nossas articulações em rede mostram que a juventude está em movimento, desconstruindo também velhos preconceitos de que os/as jovens não estão interessados/as na construção de lutas e resistências.
Nesse sentido, repudiamos a forma como somos retratados também pela mídia tradicional que insiste em criminalizar nossa resistência, ou apresenta nossos modos de vida sempre como ultrapassados e/ou miseráveis. Lutamos pela democratização da mídia, e mais, pelo fortalecimento dos nossos próprios canais de comunicação popular.
Cientes do desafio que o atual contexto brasileiro nos traz, compreendemos a nossa missão em resistir contra o avanço sobre nossos territórios e o projeto em curso de desmonte do modelo de convivência com os biomas que acreditamos. Denunciamos o MATOPIBA como um projeto de morte para o Cerrado brasileiro, para nossas águas, nossos territórios, nossos rios, nossas florestas, nossos solos e nossa gente. O avanço predatório sobre nossos territórios tem aumentado a violência no campo. Nesse mesmo sentido, somos contra os projetos de mineração, construídos sem qualquer consulta prévia a nossas comunidades, poluem nossas águas e desterritorializam nosso povo, ameaçando-o e matando nossas lideranças. Repudiamos as ameaças que sofremos diariamente e cobramos do Estado Brasileiro um posicionamento em relação ao acirramento da violência. Também nos solidarizamos com o recente assassinato de dois companheiros, José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando, e Rodrigo Celestino, integrantes do MST Paraíba.
“Pelos nossos/as mortos/as nem um minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta!”
Nós queremos permanecer em nossa terra e conservar o nosso Cerrado. Nossa luta por permanência é também uma batalha por uma Educação do e no Campo. A Educação do Campo é uma política pública para a organização do conhecimento dos povos do campo. É uma polaridade cultural dirigida pelos povos do campo dentro de seu lugar de origem, é um processo de ressignificação da teoria e da prática na superação da escola tradicional.
Denunciamos aqui o criminoso processo de fechamento das escolas do campo no país. Apenas no estado do Piauí, 317 escolas foram fechadas nos últimos anos. A desvalorização do ensino do campo é parte de um projeto maior de uma ofensiva cultural que tenta colonizar nossos saberes nos vendendo a falsa ideia de que todo o conhecimento válido é apenas o ultra tecnológico ou vindo das grandes cidades. Por isso, somos também contra o projeto da Escola Sem Partido, porque queremos um ensino libertador, descolonizador e contextualizado que dialogue com nossas realidades. Permanecer no Cerrado é também incentivar nossos modos de produção, geração de renda e conservação do nosso bioma. Por isso, também gritamos pela valorização de uma assessoria técnica voltada para a produção da juventude, investimento em Escolas Família Agrícola (EFA’s), e políticas públicas para nosso acesso ao mercado justo e de economia solidária.
“Ninguém vai morrer de sede nas margens dos nossos rios”
O avanço do capitalismo neoliberal através dos grandes projetos do hidro e agronegócio tem roubado nossas águas. O Cerrado é o berço das águas do Brasil e nele está uma das últimas e maiores reservas de água doce do mundo. Entendemos que a apropriação dos nossos mananciais aquíferos é um crime contra toda a humanidade e que a água é um bem de todos e todas. Somos contra todos os processos de privatização das águas. Nós somos o presente e o futuro dos povos do Cerrado e é a manutenção dos nossos modos de vida que será capaz de garantir a conservação das nossas riquezas naturais.
“De que adianta territórios livres com corpos presos?”
Nós, juventudes do Cerrado, compreendemos que a liberdade de existência dos nossos povos precisa ser completa. A luta pela construção de um mundo mais justo, popular, solidário e igualitário precisa estar necessariamente conectada com a valorização e respeito das mulheres. Precisamos lutar, seja enquanto jovens mulheres protagonistas dessa luta, ou enquanto homens aliados e apoiadores desse processo, contra todas as formas de violência contra a mulher em nossos territórios, bem como de negação das nossas liberdades ou prisão da nossa sexualidade. Entendemos que a auto-organização feminista é um instrumento chave para o empoderamento das mulheres nas nossas comunidades que precisa ser incentivado.
É preciso valorizar o trabalho das mulheres e das meninas jovens, batalhar por uma justa divisão do trabalho doméstico, compreender e visibilizar a contribuição essencial das mulheres na conservação dos nossos patrimônios naturais, como as águas e as sementes, assim como seu papel numa produção agroecológica que garante soberania alimentar e nutricional para as nossas famílias.
Não podemos mais permitir a exclusão das mulheres nos espaços de liderança política em nossos movimentos, organizações e comunidades. É tempo de fortalecer as lideranças jovens mulheres, dando valor às suas contribuições, e permitindo que o poder dentro e fora dos movimentos seja compartilhado.
“O afeto te afeta?”
Em nosso Cerrado brasileiro, assim como nos demais territórios, não deve haver espaço para o preconceito. Em um ambiente de vivências tão diversas, nós, da juventude, não permitiremos que companheiros e companheiras sejam discriminados e discriminadas seja por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Para nós, é inadmissível que um dos entraves para permanência da nossa juventude no campo também seja a LGBTfobia que discrimina, mata, e violenta psicologicamente tantos e tantas de nós. Nos solidarizamos aqui com o assassinato cruel da transexual Jéssica Dias que teve seu corpo cruelmente queimado em mais um crime homofóbico.
É tempo de romper as barreiras do desamor e abrir espaço para posturas inclusivas dentro e fora dos movimentos, acolhendo as pessoas LGBTQ+, compreendo suas lutas e sabendo que elas também são parte de um Cerrado livre e para todos e todas.
Por fim, anunciamos que é tempo de união. Tempo de avançar de mãos dadas com nossos companheiros e nossas companheiras de outros biomas, das cidades, de outros países para resistir aos retrocessos. É momento de mais do que nunca, abrir caminho para a resistência da juventude, dos nossos cantos, da nossa energia e da nossa mística. O Cerrado também é sua juventude resiliente e a sua diversidade. Não temos tempo a temer, vamos juntos e juntas e respiramos luta!
A Articulação das Juventudes do Cerrado está viva, em pé e em luta!
Sem Cerrado! Sem água! Sem vida!
Hidrolândia (GO), 16 de dezembro de 2018.
Articulação Nacional das Juventudes do Cerrado.
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