26 de janeiro de 2019

Por que o turismo brasileiro come mosca?


Por Fabio Steinberg

A Travel+Leisure não é uma revista qualquer. É uma das três que escrevem sobre as viagens mais prestigiosas do planeta. Os seus quase 5 milhões de leitores se aconselham mensalmente em suas páginas sobre destinos para férias ou lazer.
Como ocorre todo ano, a publicação divulgou uma pesquisa com jornalistas e profissionais de viagens sobre os 50 melhores lugares para viajar em 2019.

As respostas foram diversificadas. Foram recomendados desde destinos badalados como Nova Iorque, aos quase desconhecidos, como ilhas Andaman, na Índia. Estão lá países como Chile, Austrália, Malásia, Quênia, Panamá, Porto Rico, Turquia, Egito, México, Estados Unidos, China, Emirados Árabes e Hungria, entre outros. Pois bem: ninguém citou o Brasil.

Foi uma injustiça com nosso País, mas não um fato isolado. O que será que acontece com o nosso turismo, que há décadas patina no ridículo patamar de 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano, a grande maioria (sem deméritos) argentinos? Isto representa insignificantes 0,005% do movimento global, que em 2017 ultrapassou 1,3 bilhão por ano. Atraímos pouco mais que o número de visitantes do Camboja, que ainda se recupera de devastador genocídio há poucos anos.

O que não falta por aqui é uma esplêndida geografia. O Brasil dispõe de uma cultura na qual prevalece a alegria, simpatia e generosidade de um povo que já nasceu hospitaleiro. Mas, quando o assunto é turismo, nada disso parece influenciar. Levamos surra de países principiantes no ramo. De ilhotas difíceis de localizar como as Granadinas, no Caribe, a desertos da Namíbia, na África, todos parecem gerir melhor a fórmula do sucesso que os brasileiros.

É simplista explicar esta disfuncionalidade apenas pela manjada trilogia da reclamação contra governos: falta de infraestrutura, financiamento e políticas públicas. É mais fácil colocar a culpa da situação só na crônica distopia dos governos. Dos vários outros fatores que pesam, destacamos um pouco discutido. É que boa parte da responsabilidade do problema é nossa: cidadãos, empresários e imprensa. A soma do corporativismo com aceitação das coisas como são concretou um círculo nocivo que sufoca o turismo brasileiro.
Basta olhar em volta. Uma manta artificial protege um sistema fechado que prestigia a má gestão e impede inovações – e renovações – do setor. Cultua-se uma dança das cadeiras, onde as pessoas de sempre trocam de posição entre si, dentro de empresas e associações de classe. Isto faz prevalecer o lema “é preciso mudar para as coisas ficarem como estão”.

Com reduzida capacidade crítica e miopia diante da evolução tecnológica e marcha do tempo, pseudolíderes preferem se autopremiar e confraternizar em bocas-livres e famtours, numa ação entre amigos. Vivem, assim, uma falsa utopia. Avessos ao risco, eles são os primeiros a reclamar da baixa participação do Estado quando se trata de investimentos, e de sua presença ostensiva toda vez que os negócios se tornam lucrativos.
Como camaleões atrás da sobrevivência, vários segmentos do turismo se ajustam ao mercado. Diante do perigo de prejuízo, invertem os sinais: ao invés de importar estrangeiros, passam a exportar brasileiros para o exterior. Azar dos hotéis, que não têm como transferir suas estruturas físicas para outro lugar.

Para piorar, há uma imprensa que abre mão de sua função de vigiar e informar sobre a realidade. Parece que está com os apitos de alerta entupidos e os olhos censurados por regalias e comerciais.
Com isto, por exemplo, mostrou-se incapaz de reportar com a devida antecedência o gigantesco rombo financeiro que corroeu a Avianca. Ou ignorou os sinais da visível decadência dos hotéis Othon. Ou deixou de denunciar que o modelo brasileiro de turismo atual faliu, e precisa ser revisto com urgência.

É certo que palavras duras incomodam. E que é bem mais fácil criticar do que fazer. Mas calma lá: não adianta consertar a realidade jogando pedras contra os espelhos.

Fabio Steinberg
https://turismosemcensura.com.br/
Jornalista e administrador, trabalhou como executivo e consultor de comunicação em grandes empresas como IBM, Rede Globo e AT&T. Edita o site Turismo Sem Censura e é autor de três livros

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