É verdade que tomar um café da manhã equilibrado ajuda a restaurar nossa energia depois de uma uma noite de jejum - SEB_RA
Alimentação ideal: o que diz a ciência sobre tomar ou pular o café da manhã
Junto com clássicos como “cenouras melhoram a visão” e “Papai Noel não traz brinquedos para crianças que não se comportam bem”, uma das frases mais usadas no arsenal de pais cansados é que o café da manhã é “a refeição mais importante do dia”.
Muitos de nós crescemos acreditando que pular o café da manhã é um pecado alimentar – mesmo que apenas dois terços dos adultos no Reino Unido tomem café da manhã regularmente, segundo a Associação de Nutricionistas do Reino Unido (BDA, na sigla em inglês), e cerca de três quartos dos americanos, segundo o American Journal of Clinical Nutrition.
“O corpo usa muitas reservas de energia para o crescimento e a restauração durante a noite”, explica a nutricionista Sarah Elder. “Tomar um café da manhã balanceado ajuda a restaurar a energia, assim como a proteína e o cálcio usados à noite.”
Mas há divergências sobre se o café da manhã deve manter seu destaque na hierarquia alimentar. Assim como a crescente popularidade das dietas do jejum, há preocupação quanto ao teor de açúcar dos cereais e do envolvimento da indústria de alimentos nas pesquisas sobre café da manhã – e até a afirmação de um acadêmico de que o café da manhã é “perigoso”.
Mito ou realidade?
O café da manhã é um começo necessário para o dia ou uma jogada de marketing de empresas de cereais?
Atualmente, o que mais se estuda nesse campo é a relação do café da manhã com a obesidade, e as teorias divergem. Um estudo americano que analisou dados de saúde de 50 mil pessoas ao longo de sete anos apontou para um menor índice de massa corporal (IMC) nos que tornaram o café da manhã sua principal refeição.
Segundo os pesquisadores, o café da manhã aumenta a saciedade, reduz a ingestão diária de calorias, melhora a qualidade da dieta – já que os alimentos matinais são mais ricos em fibras e nutrientes – e melhora a sensibilidade à insulina nas refeições subsequentes.
Mas, como em qualquer estudo do tipo, não ficou claro se essa foi a causa ou se os que pulavam o café da manhã já tinham mais chances de estar acima do peso.
Para descobrir isso, outro estudo acompanhou 52 mulheres obesas em um programa de perda de peso de 12 semanas. Todas ingeriram a mesma quantidade de calorias no dia, mas metade tomou café da manhã, enquanto a outra metade, não.
Eles notaram que não era o café da manhã em si que fazia com que os participantes perdessem peso: era a mudança da rotina. As mulheres que antes do estudo tomavam café da manhã perderam 8,9 kg quando pararam de tomá-lo, em comparação com 6,2 kg do outro grupo. Enquanto isso, aquelas que pulavam o café da manhã perderam 7,7 kg quando começaram a tomá-lo – e 6 kg, quando continuaram a ignorá-lo.
Se o café da manhã não é uma garantia de perda de peso, por que há uma ligação entre obesidade e pular o café da manhã?
“Há muitos estudos sobre a relação entre a ingestão de café da manhã e possíveis impactos na saúde, mas isso pode acontecer porque aqueles que tomam café da manhã optam por ter hábitos mais saudáveis, como não fumar e fazer exercícios regularmente”, diz Alexandra Johnstone, professora de pesquisa do apetite na Universidade de Aberdeen.
Uma revisão de 2016 de dez estudos examinando a relação entre café da manhã e controle de peso concluiu que há “evidências limitadas” apoiando ou refutando a influência do café da manhã no peso e que mais evidências são necessárias.
Comer ou não comer?
O jejum intermitente, que envolve jejuar da noite ao dia seguinte, está se popularizando entre aqueles que buscam perder ou manter seu peso ou ainda melhorar a saúde.
Um estudo pequeno mostrou que ignorar o café da manhã – e comer apenas entre 9h e 15h – é benéfico – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Um estudo-piloto publicado em 2018, por exemplo, descobriu que o jejum intermitente controla o açúcar no sangue e a sensibilidade à insulina, além de reduzir a pressão arterial. Oito homens com pré-diabetes receberam um dos dois esquemas alimentares: ingerir todas as calorias entre 9h e 15h, ou ingerir o mesmo número de calorias ao longo de 12 horas.
Os resultados para o primeiro grupo foram semelhantes ao do efeito de medicamentos para reduzir a pressão arterial, de acordo com Courtney Peterson, autora do estudo e professora-assistente de ciências da nutrição da Universidade do Alabama, em Birmingham, nos EUA.
Ainda assim, o tamanho reduzido do estudo mostra que mais pesquisas são necessárias sobre os possíveis benefícios de longo prazo.
Se pular o café da manhã pode ser bom, isso significa que o café da manhã pode ser ruim? É o que afirma o acadêmico Terence Kealey, da Universidade de Buckingham, para quem o café da manhã é até “perigoso”. Segundo ele, tomar café da manhã faz com que o nosso nível de cortisol atinja um pico maior do que ocorre mais tarde. Isso leva o corpo a desenvolver resistência à insulina a longo prazo e pode provocar o diabetes tipo 2, ele argumenta.
Mas Fredrik Karpe, professor de medicina metabólica do Centro de Diabetes, Endocrinologia e Metabolismo de Oxford, discorda. Em vez disso, segundo ele, níveis mais altos de cortisol pela manhã são apenas parte do ritmo natural do corpo.
E não é só isso. O café da manhã é fundamental para estimular o metabolismo. “Para que outros tecidos respondam bem à ingestão de alimentos, você precisa de um gatilho inicial envolvendo carboidratos que respondem à insulina. O café da manhã é fundamental para que isso aconteça”, afirma Karpe.
Um ‘gatilho’ inicial com carboidratos é fundamental para impulsionar o metabolismo – Direito de imagem:: GETTY IMAGES
Um estudo publicado em 2017 envolvendo 18 pessoas saudáveis e 18 pessoas com diabetes descobriu que pular o café da manhã interrompeu os ritmos circadianos de ambos os grupos e provocou picos de glicose no sangue depois de comer. Tomar café da manhã, concluem os pesquisadores, é essencial para manter nosso relógio biológico funcionando.
Peterson diz que, entre os que pulam o café da manhã, há aqueles que jantam em um horário normal – obtendo os benefícios do jejum intermitente – ou aqueles que jantam tarde.
“Para aqueles que jantam mais tarde, o risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares aumenta. Embora pareça que o café da manhã é a refeição mais importante do dia, na verdade pode ser o jantar “, afirma Peterson.
“Nosso controle de açúcar no sangue é melhor no início do dia. Quando jantamos tarde, ficamos mais vulneráveis porque o açúcar no sangue é pior. Há mais pesquisas a fazer, mas estou confiante de que não se deve pular o café da manhã e jantar tarde”, acrescenta.
Como o controle do açúcar no sangue é melhor pela manhã, o ideal é fazer uma grande refeição no início do dia – não tarde da noite – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Ela explica que devemos pensar em nosso ritmo circadiano como uma orquestra.
Existem duas partes do nosso relógio circadiano. Metade no cérebro, análogo ao maestro de uma orquestra, e a outra metade nos órgãos, segundo a pesquisadora. E essa orquestra é definida por dois fatores externos: exposição à luz e o horário das refeições.
“Se você está comendo quando não há exposição à luz intensa, os relógios que controlam o metabolismo estão em fusos horários diferentes, criando sinais conflitantes quanto a aumentar ou diminuir a velocidade”.
Um café da manhã farto pode ajudar no controle de peso – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Seria como duas metades de uma orquestra tocando músicas diferentes, explica Peterson, e é por isso que comer tarde prejudica os níveis de açúcar no sangue e a pressão arterial.
Pesquisadores das universidades de Surrey e de Aberdeen estão na metade de uma pesquisa que analisa os mecanismos por trás de como o horário em que comemos influencia o peso corporal. Descobertas iniciais sugerem que um café da manhã farto é benéfico para o controle de peso.
Comida saudável
Diferentes estudos do Circulation e do American Journal of Clinical Nutrition apontam que o café da manhã afeta mais do que apenas o peso. Pular a refeição tem sido associado a um aumento de 27% no risco de doenças cardíacas, um risco 21% maior de diabetes tipo 2 em homens e um risco 20% maior de diabetes tipo 2 em mulheres.
Uma razão pode ser o valor nutricional do café da manhã – em parte porque o cereal é enriquecido com vitaminas. Em um estudo sobre os hábitos de café da manhã de 1.600 jovens no Reino Unido, os pesquisadores descobriram que a ingestão de fibras e micronutrientes, incluindo vitamina C, ferro e cálcio, era melhor naqueles que tomavam café da manhã regularmente. Houve descobertas semelhantes na Austrália, no Brasil, no Canadá e nos EUA.
O café da manhã também está associado a um melhor funcionamento cerebral, incluindo na concentração e linguagem. Uma revisão de 54 estudos descobriu que tomar o café da manhã pode melhorar a memória, embora os efeitos sobre outras funções cerebrais tenham sido inconclusivos.
Uma das pesquisadoras do estudo, Mary Beth Spitznagel, diz que há indícios “razoáveis” de que o café da manhã melhora a concentração.
Tomar o café da manhã pode ajudar a melhorar a memória – Direito de imagem: GETTY IMAGES
“Se olharmos os estudos que focaram na concentração, metade aponta para benefícios, e a outra não encontrou nenhum”, afirma. “E nenhum estudo apontou que tomar café da manhã seja ruim para a concentração.”
O mais importante, alguns argumentam, é o que comemos no café da manhã.
Cafés da manhã com alto teor de proteína ajudam a reduzir os desejos por comida no final do dia – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Os cafés da manhã ricos em proteínas são bastante eficazes na redução da ansiedade e do consumo de alimentos no final do dia, de acordo com uma pesquisa da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Comunidade Australiana.
Embora o cereal continue um favorito no café da manhã de vários países, um estudo recente da associação de consumidores Which? constatou que alguns cereais contém mais de três quartos da recomendação diária de açúcar em cada porção, e o açúcar foi o segundo ou terceiro ingrediente mais prevalente em sete de dez cereais em flocos.
Mas pesquisas sugerem que, se formos ingerir alimentos açucarados, é melhor fazer isso cedo. Cientistas da Universidade de Tel Aviv descobriram que a fome é mais bem regulada pela manhã. Eles recrutaram 200 adultos obesos para participar de uma dieta de 16 semanas, onde metade acrescentou sobremesa ao café da manhã e metade não. Aqueles que adicionaram a sobremesa perderam uma média de 18 kg a mais – no entanto, o estudo não conseguiu mostrar os efeitos de longo prazo.
Pesquisa sugere que, se vamos comer alimentos doces, o café da manhã é a melhor hora para fazer isso – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Uma revisão de 54 estudos descobriu que ainda não há consenso sobre qual tipo de café da manhã é mais saudável e conclui que isso não importa tanto quanto simplesmente comer alguma coisa.
Conselho final
Embora não haja provas conclusivas sobre exatamente o que devemos comer e quando, o consenso é ouvir nosso próprio corpo e comer quando estamos com fome.
“O café da manhã é mais importante para as pessoas que estão com fome quando acordam”, diz Johnstone.
Por exemplo, pesquisas mostram que pessoas com pré-diabetes e diabetes podem achar que têm melhor concentração após um café da manhã com baixo índice glicêmico, como mingau, que é decomposto mais lentamente e provoca um aumento mais gradual nos níveis de açúcar no sangue.
Café da manhã com baixo índice glicêmico, como mingau (ou fufu ganense, feito de banana e mandioca) pode ser melhor para aqueles com diabetes – Direito de imagem: GETTY IMAGES
Cada corpo começa o dia de forma diferente – e essas diferenças individuais, particularmente na função da glicose, precisam ser pesquisadas mais de perto, diz Spitznagel.
Ao final, o segredo talvez seja não enfatizar demais uma única refeição, mas sim perceber como comemos o dia todo.
“Um café da manhã balanceado é realmente útil, mas fazer refeições regulares durante o dia é o mais importante para manter o açúcar no sangue estável, o que ajuda a controlar o peso e os níveis de fome”, diz Elder.
“O café da manhã não é a única refeição em que deveríamos estar prestando atenção”, completa.
Jessica Brown, BBC Future
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