15 de abril de 2019

Parque Nacional da Chapada dos Guimarães completa 30 anos com novos desafios



Cachoeira Véu da Noiva, Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Foto por: Lucas Cembranelli/Wikipedia

O dia 12 de Abril de 1989 marcou uma das grandes vitórias do movimento ecológico de Mato Grosso. Nesse dia, o Diário Oficial da Uniãopublicava o decreto de criação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, resultado de anos de atos públicos, intervenções artísticas e intensa cobertura da mídia sobre a importância da Chapada e as sérias agressões ambientais sofridas por uma das mais belas paisagens do estado.

Conheça um pouco da história da criação do Parque, entenda as ameaças atuais e saiba como ele influenciou o surgimento do ICV.

História de engajamento

“Havia muita destruição da natureza, como superexploração turística irregular, desmatamento de cerrado, queimadas, extração de madeira, caça e especulação imobiliária”, recorda Mário Friedlander, fotógrafo de natureza e ativista em Mato Grosso.

“Tudo o que podia ser feito para destruir o lugar, estava sendo feito naquela época. Então um grupo de pessoas percebeu o que estava acontecendo e se uniu para estudar, organizar e articular politicamente a proteção da paisagem”.

A luta começou no início da década de 1980 e contou com forte apoio de artistas como Bené Fonteles, Tetê Espíndola e muitos outros artistas plásticos e músicos do estado.

“Este foi um movimento do Brasil, marcado pelo fim da Ditadura Militar e uma convergência de dinâmicas sociais fortes, na qual as atividades ecológicas também se reintegraram às ações sociais de retomada da democracia e cidadania, trazendo essa nova dimensão do meio ambiente e da ecologia”, reflete Sérgio Guimarães, que participou ativamente desse movimento.

Para Mário Friedlander, o movimento socioambiental que resultou na criação do Parque também o diferenciou de outras unidades de conservação.

“O parque de Chapada é diferente porque não veio de uma proposta de estudiosos de universidades ou de órgãos do governo. Ele foi proposto pela população e por movimentos ecológicos com apoio de artistas, pesquisadores e a comunidade local tanto da chapada quanto de Brasília e do país como um todo”, recorda Mário.

A mobilização foi grande, envolvendo professores das universidades de Mato Grosso. Junto com ativistas, diversos pesquisadores elaboraram os estudos que foram usados pelo Ibama para a criação do Parque.

O Governo Federal já tinha indicação de criar uma unidade de conservação ali, mas a ideia estava engavetada. Quando, no final da década de 1980, o Governo Federal foi pressionado pelo Banco Mundial e por outras circunstâncias a criar um pacote de unidades de conservação, a proposta da Chapada estava pronta.

“Muitas pessoas se esforçaram durante muitos anos sem apoio, sendo perseguidas e ridicularizadas. Mas nada disso as demoveu da ideia de proteção de um pedaço de chapada”, diz Mário.

Década de 1980 foi marcada por muitos atos públicos pela conservação da Chapada dos Guimarães. Foto: Mário Friedlander/Cedida

Vitória limitada

Sérgio Guimarães lembra que a proposta inicial era que o parque tivesse cerca de 100 mil hectares, mas houve resistência de pessoas que eram ocupantes da região. Ele lembra que 70% da área proposta estava permeada por ocupações ilegais. Assim, em vez de 100 hectares, o parque acabou sendo criado com apenas 33 mil hectares.

De acordo com Mário, os limites foram redesenhados na calada da noite, por influência de funcionários públicos e pessoas ligadas a políticos de Mato Grosso.

“Quando o decreto da criação do parque foi editado, o número de hectares foi alterado para uma nova proposta, algo covarde, feito por de baixo dos panos. Desta forma, quando o decreto foi publicado, houve uma enorme alegria e, também, uma tremenda decepção. Isso é uma ferida que não cura porque muito dos problemas atuais do Parque advém justamente da demarcação feita de modo errado”, completa Mário.

Sementes lançadas para o ICV

Uma organização chave na história da criação do Parque foi a Associação Mato-Grossense de Ecologia, a AME Mato Grosso, um forte movimento ecologista que atuou entre 1985 e 1990, com grande visibilidade e impacto.

A AME foi inspiração para criação do Instituto Centro de Vida (ICV), fundado dois anos depois da criação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.

“O projeto de criação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães com certeza é uma das vertentes de inspiração para criação do ICV”, lembra Sérgio. “A ideia era ter um trabalho mais estruturado e com uma base científica e de estudos mais ampla, que pudesse propor uma discussão consistente, robusta, científica e com base política, que é o que o ICV faz até hoje”.

Além do ICV, outras organizações foram criadas com o impulso desse movimento em defesa da Chapada, como a Fundação Ecotropica, a Arca e o Formad (Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento).

Desafios do presente

O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães é, como todas as outras unidades de conservação no estado, de fundamental importância para Mato Grosso. Vive, porém, sob ataque de interesses privados, do desmatamento e das ocupações ilegais, assim como a Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada dos Guimarães.

As queimadas são recorrentes. Em 2016, resultaram no fechamento da principal atração do parque, a Cachoeira Véu da Noiva. No ano passado, deputados estaduais iniciaram um movimento pedindo a estadualização do parque – ideia rechaçada pelo Ministério Público Federal.

Os rios sofrem com despejo de esgoto sem tratamento e a duplicação da rodovia que corta a área deve ampliar os desmatamentos. Na APA, a mineração de ouro provoca contaminação com metais pesados e há pressão para redução da área protegida.

“Isso é algo inconcebível. Essa área da Chapada dos Guimarães, tanto do parque quando da APA, garante o abastecimento de água da capital e protege as nascentes do rio Cuiabá. É fundamental a mobilização e engajamento da sociedade para evitar retrocessos”, aponta Sérgio Guimarães.

Mário Friedlander faz coro e diz que as novas lideranças socioambientais precisam focar atenção na consolidação coletiva do parque e na sua ampliação, pois a Chapada precisa de muito mais proteção e o Parque Nacional já provou que pode trazer progresso e desenvolvimento para região, com o turismo.

“Hoje ninguém consegue imaginar a Chapada dos Guimarães sem um parque nacional. Trinta anos é nada, só está no começo. Temos que continuar discutindo, pois este parque precisa ser ampliado e sua gestão precisa da participação da comunidade”, convoca Mário.

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