Terra em disputa tem 4.706 hectares; desobstrução será feita em 2 fases
RODIVALDO RIBEIRO
Da Redação
O juiz Victor de Carvalho Saboya Albuquerque, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) - Subseção Judiciária de Rondonópolis, reconheceu o direito dos índios Bororos à posse e usufruto exclusivos sobre a Terra Indígena de Jarudore, localizada no distrito de mesmo nome, no município de Poxoréu (distante 264 quilômetros de Cuiabá). A decisão afetará 100 mil pessoas que hoje vivem dentro ou nas proximidades da área de 4.706 hectares (ha).
Para evitar que o cumprimento da ordem judicial gere algo semelhante ao trauma de Suiá-Missu em 2012, quando policiais militares acabaram arrancando cerca de 400 famílias ocupantes do lugar havia décadas na base da truculência, a desocupação será feita em duas etapas. A área total objeto deste litígio, no qual figuram cerca de 400 nomes como réus, é de 3.660 ha. A decisão é do dia 28 de junho e o prazo para início da desocupação era de cinco dias após a publicação, sob pena de multa diária de R$ 1 mil; de 45 para seu término na primeira etapa e 90 dias para a segunda.
Na decisão, Saboya Albuquerque acolhe o pedido inicial para reservar, conforme o Decreto estadual número 684, de 1945, demarcada por procedimento finalizado somente na década de 1950, quando foi doada à União por meio de título definitivo de propriedade expedido pelo Estado de Mato Grosso em 22 de agosto de 1951 e registrada no Cartório de Registro de Imóveis do Primeiro Ofício de Poxoréu, sob a matrícula de número 3.547, da folha 162 do Livro 3C, de 20 de agosto de 1958 para determinar a desocupação por quem não for indígena.
“Defiro o pedido de tutela de urgência para determinar a desocupação dos não índios que exploram atividade econômica na terra indígena, particularmente no interior do perímetro da primeira e da segunda propostas, de acordo com os prazos e condições fixados. Os ocupantes do perímetro da primeira proposta, com área de 1.930 ha, localizada nas porções Oeste e Nordeste da Terra Indígena de Jarudore, contígua a área recentemente retomada, deverão desocupá-la no prazo de 45 dias, contados da publicação desta sentença no Diário de Justiça Eletrônico. Os ocupantes do perímetro da segunda proposta, com área de aproximadamente 1.730 ha, localizada na porção Sul da Terra Indígena, deverão se retirar no prazo de 90 (noventa) dias, também contados da publicação desta sentença no Diário de Justiça Eletrônico”, escreveu o juiz federal, ao ordenar a expedição de dois mandados de notificação.
O primeiro deles para a notificação pessoal de todos os não índios que estiverem ocupando as terras do interior do perímetro da primeira proposta, em especial João Lopes Clarindo, José Carolo, “Dona Ana”, “Chico Mascate”, “Ico”, Carlinhos Macaúba e Isídio. O segundo, para a notificação dos não índios ocupantes do perímetro da “segunda proposta”, particularmente Arthur, “Nego da Beta”, Severino e Sebastião (Fazenda Jatobá, Fazenda Santa Benedita).
Consta na decisão, de 100 páginas, que aquele pedaço de Brasil mesmo demarcado como terra indígena via decreto-lei na metade do século passado, sempre foi invadido por fazendeiros e posseiros, tomando áreas inteiras diretamente de pelo menos duas etnias, notadamente os bororo. Área muito maior, entretanto, foi reconhecida e demarcada no início do século 20 pelo Marechal Cândido Rondon, algo em torno de 100 mil hectares, ao incluir as aldeias Nabureri e Pobojári no território do Distrito de Jarudore.
Para resguardar a existência deste, aliás, o magistrado decidiu resguardar a propriedade de 200 famílias moradoras do perímetro urbano e, em consequência, do município de Poxoréu e enfim do Estado de Mato Grosso. Essa parte não será desocupada porque aprendeu a conviver com os índios (ele usou a frase “convivência harmônica”). É maneira, sempre de acordo com o juiz, de resguardar inclusive o direito dos índios às políticas públicas de saúde, habitação, educação e assistência social conforme descrito na constituição de 1988 e resguardados os hábitos culturais da etnia e evitar demolições de casas, igrejas, escolas e prédios comerciais, como aconteceu em Suiá-Missu, quando a Reserva Indígena Maraiwatsede foi devolvida aos xavantes em 2012, em episódio amplamente documentado e noticiado país afora.
“O Estado de Mato Grosso e o município de Poxoréu, o MPF e a Funai, em atenção ao princípio da cooperação (artigo 6°) também deverão promover a ampla divulgação da tutela de urgência, buscando facilitar a compreensão das questões jurídicas pela população atingida, inclusive quanto aos deveres e vedações decorrentes da tutela. Ainda, o MPF e a Funai deverão se reunir com os índios Bororos, comunicando-lhes os termos da tutela de urgência, e, especialmente, que: a) não será admitida, em nenhuma circunstância, mesmo decorrido o prazo de desocupação voluntária, a reocupação das áreas pelos bororos, salvo depois de atestado, em juízo, a saída dos não índios; b) não será admitida, até o trânsito em julgado, a demolição, destruição e usufruto das construções e obras (públicas e privadas), o que, evidentemente, não se aplica às plantações (sob pena de se anular o exercício da atividade econômica pelos índios, que se procura garantir pela tutela de urgência); e c) deverá ser garantida, aos não índios, a utilização de uma via de acesso à população urbana de Jarudore (moradores da “Vila de Jarudore”), compatível com as necessidades locais, bem como a permanência de todos os serviços públicos, estaduais e municipais, inclusive de manutenção e conservação de obras localizadas fora do perímetro urbano”, resolveu o juiz.
ENVENENAMENTO
Para se ter uma ideia do quanto as terras citadas acima sempre foram disputadas, a imprensa noticiou o choque de famílias bororo ao perceber uma tentativa de assassinato de crianças. Elas foram abordadas na porteira da aldeia por não índios, que entregaram-lhes peixes envenenados. As crianças não chegaram a comer, mas animais o fizeram e morreram no mesmo local.
Nenhum comentário:
Postar um comentário