Correio Braziliense
"Eu não tinha paz. Aonde eu ia, me reconheciam. Mas era bom, porque eu gosto da fofoca e topo tudo", diz dona Anna Peleja(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
A população está envelhecendo. No Brasil, pessoas acima dos 65 anos já representam 14,3% dos brasileiros, ou seja, 29,3 milhões de pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde. Ao passo que a sociedade fica mais velha, novas tecnologias surgem e, enquanto os nativos digitais as assimilam sem muito esforço, os idosos precisam correr atrás para aprendê-las.
Nesse contexto, há senhores e senhoras no Brasil — e fora dele — que estão fazendo sucesso nas redes sociais. Por diferentes motivos, jovens e mais velhos se interessaram pelos conteúdos deles. Ainda são poucos, mas eles podem incentivar mais pessoas a entenderem que internet e bom humor não são coisas só de jovem.
Dona Anna Peleja, 87 anos, é uma dessas influencers. Mais conhecida na família como Índia, por conta da origem paraense, ela inspirou vários netos a projetos ligados à internet. Três deles usaram as experiências com a avó para movimentar a rede e até alavancar os negócios. Em 2012, ainda no início da carreira, a neta Luísa Peleja, influenciadora digital, atualmente com mais de 100 mil seguidores no Instagram, tinha um blog e resolveu lançar a coluna Armário da vovó. “Eu tinha tanta roupa, que dava pra eu não repetir o ano inteiro”, conta Anna. “E ela só usava as mesmas”, emenda o neto Leonardo Peleja, professor de educação física.
Luísa escolhia alguma peça de dona Anna, vestia de uma forma moderna, repaginada, e depois era a vez de a avó colocar do jeito que costumava usar, mais tradicional. Então, tirava foto de ambas e postava, com algumas dicas. Fã de animal print, vovó Peleja começou a ser reconhecida na rua. “Eu não tinha paz. Aonde eu ia, me reconheciam. Mas era bom, porque eu gosto da fofoca e topo tudo. O que pedirem pra fazer, eu faço, pois também quero ajudar”, alegra-se.
Mais sucesso
Mais ou menos em meados de 2016, vovó Peleja inspirou outros dois netos com projetos relacionados à tecnologia. Leonardo já tinha um perfil no Instagram para divulgar seu trabalho e passar informações sobre exercício físico e estilo de vida saudável. Achou, então, que a avó era tão expressiva que seria possível criar conteúdos humorísticos com fotos dela e alternar com o que já publicava anteriormente. “Todo mundo gosta de cachorro, criança e idoso. É máquina de likes”, brinca Leonardo.
Dona Anna se diverte com o neto e conta que, às vezes, fica pensando: “O que será que ele vai aprontar na próxima?”. Da mesma forma que ela procura sempre relembrar o que comeu no café da manhã, no almoço e no jantar para “treinar o cérebro e manter as faculdades mentais”, Leonardo acredita que fazê-la decorar um texto ou outro ou falar alguma palavra difícil com a qual ela não está acostumada, como “Instagram”, é uma forma de fazer a cabeça dela trabalhar.
O conteúdo do neto alcançou ainda mais pessoas, e o reconhecimento na rua ficou maior. “Outro dia, eu estava sentada e um jovem ficou me olhando. Eu pensei: por que diabos ele está perdendo o tempo com uma velha como eu?”, brinca dona Anna. Depois, o homem voltou e perguntou se era a Índia, e disse que a conhecia da internet.
Vovó inspirou um negócio
E dona Anna não só aparece nas redes como sabe usá-las. Isso ela aprendeu com uma terceira neta, Paula Peleja. A experiência de ensinar a avó a usar o aplicativo do banco no celular e a conversar com bisnetos que ela ainda nem conhece pessoalmente inspiraram a neta a criar uma empresa que esclarece a idosos como usar a internet.
Paula estava concluindo um curso de marketing digital e precisava fazer um plano de negócios. “Não queria criar algo para deixar na gaveta, por isso tive a ideia fazer disso um negócio real. Montei então o Vovó Hi-Tech. Uni o que já fazia com a minha avó Anna e com alguns clientes para quem prestava consultoria em marketing. Ensinar está na minha essência. Sempre tive facilidade de aprender, e é bem engraçado como eu consegui transformar isso em algo mágico, que insere não só idosos e idosas, afinal, todos nós também temos nossas dificuldades. Criei, então, em 2016 um plano de negócios, com metodologia própria e fui desenvolvendo com a minha avó ao longo dos meses”, relata.
Ela vai à casa dos alunos, os ensina e os insere no mundo da tecnologia “levando pra casa deles um pouco mais de independência”. Segundo Paula, o que a maioria dos idosos querem aprender é mexer no WhatsApp, em redes sociais como Facebook, YouTube e Instagram, além de fazer operações bancárias, acessar e-mails, enviar pedidos médicos para clínicas e as funções básicas do celular, como deixar no silencioso e conectar no wi-fi. “Eu levo a liberdade para eles. Muitos não têm ajuda dos filhos nem das pessoas próximas. Além disso, ficam mais próximos dos parentes que moram longe”, afirma Paula.
Entre 2012 e 2018, a população brasileira com 65 anos de idade ou mais cresceu 26%, ao passo que a de até 13 anos recuou 6%, de acordo com a pesquisa Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2018, divulgada em maio deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E com o constante surgimento de novas tecnologias, faz-se necessário inseri-los nesse universo. “Pode parecer muito difícil para alguns, mas os benefícios são incríveis. As tecnologias podem passar a sensação de muito mais autonomia para pessoas em uma fase da vida em que sentem que dependem muito dos outros”, explica a psicóloga Kátia Almeida.
Ela recomenda não só que os mais velhos se empenhem em aprender sobre as novidades, como os familiares mais novos dediquem tempo e paciência para ensiná-los e ajudá-los. Com isso, aos poucos, vovôs e vovós estarão cada vez mais conectados.
Pesquisa do TIC Domicílios, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.Br), divulgada em agosto deste ano, mostra que o cenário está melhorando. Atualmente, entre as pessoas de 60 anos ou mais, 58% têm acesso à internet nos smartphones, enquanto 8% usam apenas o computador para acessar a rede. Em 2017, esse percentual era de 27%. Em 2015, 13%.
Vovô baladeiro: o modo Barrosinho
foto Instagram
De tão animado, a expressão “ativar o modo Barrosinho” tornou-se uma forma de falar para as pessoas se empolgarem. Em especial, no fim de semana. Do interior de São Paulo, o aposentado Antônio Martins, 72, morador de Campinas, mais conhecido como Barrosinho ou Vovô das Baladas, ficou famoso no Brasil inteiro por estar sempre presente nas festas. Com mais de 14 mil seguidores no Instagram e incontáveis convites para festas, shows e rodeios, ele considera estar vivendo a melhor terceira idade possível.
E aonde ele vai, a esposa vai junto. Antes mesmo de ser famoso, o aposentado já era reconhecido pela animação. Lembra que, uma vez, em Cancún, chegou até a ser chamado para dançar no palco, de tão impressionados que ficaram com o quanto ele estava empolgado. Nas festas, mesmo antes da fama, jovens sempre pediam para tirar foto com ele. “Encontro algumas pessoas da minha idade, mas faço mais amizade com os jovens, porque eu não me acho velho, e eles gostam de mim também, vêm brincar comigo”, conta.
Um dos vídeos de seu Antônio com mais visualizações é um em que ele dança eletricamente e a mulher, bem tranquila, vai falar algo com ele. As pessoas criaram diversas legendas para a situação, como: “Quando você está animado no rolê e sua mina quer ir embora”. Mesmo em vídeos em que o casal já está indo embora, o idoso continua dançando, e os seguidores o descrevem: “Ele é ligado no 220 W”.
Animação de berço
Filho de músico, seu Antônio conta que ele e a irmã curtiam o carnaval desde novos. “Éramos os primeiros a entrar no salão.” As coisas não mudaram muito: “Vou a todos os rodeios: Barretos, Jaguariúna. Este ano, já fui a seis”, relata. Com a fama, chegou a ser convidado por alguns. Antes, sempre pagava. Gosta também de música eletrônica.
Foi um dos dois filhos que fez o perfil do pai no Instagram, mas, além dele, segundo Barrosinho, um dos responsáveis pela fama foi o Dennis DJ, que o chamou ao palco e o divulgou nas redes. Logo depois, MC Kevinho fez o mesmo. E o ponto alto para ele foi subir ao palco com Gusttavo Lima no rodeio de Jaguariúna, em setembro deste ano. Fã do cantor desde sempre, ele sabia todas as músicas e se sentiu emocionado. “Ali, todo mundo já me conhecia. Parecia que eu era um cantor, que todo mundo queria tirar foto comigo, como se eu fosse uma das atrações”, relembra.
Influencers pelo mundo
Nascida em 1928 nos Estados Unidos, Helen Ruth Van Winkle, mais conhecida como Baddie Winkle, é a octogenária mais seguida do Instagram, com quase 4 milhões de seguidores. Ela ficou famosa depois que uma neta postou em sua conta no Twitter uma foto da avó vestindo roupas dela, como uma brincadeira. A senhorinha com roupas de jovens fez sucesso. De lá pra cá, ela já foi eleita uma das mais influentes personalidades digitais pela Forbes e tornou-se musa da marca de maquiagem Urban Decay.
Com mais de 60 anos de vida e casados há 39, os japoneses Tsuyoshi Tomi e Seki publicam no Instagram, desde 2016, fotos com seus looks. A produção de um sempre combina com a do outro, seja por ambos usarem uma peça igual, seja por vestir algum detalhe com a estampa principal do outro. Eles têm um estilo que une elegância e simplicidade que já conquistou mais de 800 mil seguidores.
Conectada com as netas e com o Brasil
Dona Dirce tem mais de 130 mil seguidores: sucesso começou quando ela posou seminua(foto: Reprodução do Instagram)
Dona Dirce Ferreira, 72 anos, enfermeira aposentada, cozinheira, costureira, empresária e influenciadora digital, brinca que tem cabeça de 30 anos e corpo de 50. Com mais de 130 mil seguidores no Instagram, recebe em casa, em Uberlândia (MG), presentes de diversas empresas: batedeira, filtro de água. Está, agora, fazendo propaganda de lojas de calçados e de roupas e espera uma bicicleta chegar — já avisaram que foi enviada.
Ela também recebe convites para eventos, como congressos e reuniões. No início de outubro, esteve no Rock in Rio. Até então, nem conhecia o mar, muito menos já havia ido a um festival de música, portanto a experiência foi ainda mais especial. E tudo graças ao sucesso nas redes sociais.
A fama começou quando uma de suas três netas, a que mora nos Estados Unidos, enviou uma foto seminua às irmãs e à avó. A senhora já tinha um perfil em que mostrava as plantas e a rotina de casa. Tinha só cento e poucos seguidores. “A gente pegou as fotos da minha neta e eu fiz igual, com as poses dela, e mandamos para ela. Só para fazer graça”, conta. Uma das netas, que mora também em Uberlândia, disse que ia colocar na internet e a avó autorizou. “De repente, foi pra 3 mil seguidores, 4 mil. Eu gostei do pessoal achar incrível uma senhora de 72 anos seminua, então, continuei”, relembra rindo.
Dona Dirce conta que sempre foi engraçada, mas muito séria. Era uma avó que participava de tudo, ia às festas com as filhas, com os netos, “mas não era tão audaciosa a ponto de fazer foto seminua”. Em seguida, ela imitou também fotos sensuais da cantora Anitta. “Aí, o negócio explodiu. Gordinha, com tudo sobrando. Foi pra 60 mil seguidores”, impressiona-se.
“Fazendo bagunça”
(foto: Reprodução do Instagram)
A influencer se diverte muito com a produção dos conteúdos e também com a repercussão nas redes, mas conta que “é só glamour, não rende grana”. Mesmo assim, gosta da brincadeira: “Você não tem ideia do quanto é legal; faço muita farra. E não adianta eu fazer coisa certinha, que não dá comentário, ninguém gosta. Gostam de eu fazendo bagunça”.
Em geral, dona Dirce consegue gravar vídeos e responder comentários sozinha. Para coisas mais complexas, conta com a ajuda da neta. “Toda vida eu fui curiosa. E o mundo digital é incrível, a gente aprende tanta coisa. O idoso que se acomoda e não vai aprender acaba se distanciando muito dos filhos e dos netos. Fica sem assunto com eles, porque eles estão sempre na tecnologia”, opina. “Eu sempre quis interagir muito com minhas duas filhas e minhas três netas, então, eu precisava me atualizar”, completa. Ela recomenda que todo idoso faça o mesmo.
Além de ficar mais próxima da família, dona Dirce interage também com os desconhecidos que a seguem e lhe enviam mensagens. Ela estima que responda a cerca de 300 mensagens diariamente. Algumas com temas bem sensíveis. “Tem uma mãe que perdeu o filho e está muito chorosa; tem uma que está fazendo quimioterapia; outra que foi traída. E aí querem conversar comigo. Eu tento levantar o astral delas, aconselho e elas agradecem”, conta feliz por poder ajudar.
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