Plataforma divulga, ano por ano, autuações milionárias do Ibama aplicadas entre 1995 e 2020; De Olho nos Ruralistas identificou, a partir de 284 mil multas, os 4.600 proprietários rurais que mais receberam punições na categoria flora
Por Alceu Luís Castilho, Leonardo Fuhrmann e Priscilla Arroyo*
Quem desmata a Amazônia? O Cerrado? O Pantanal? A Mata Atlântica? De Olho nos Ruralistas divulga a maior pesquisa já feita sobre os multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) na categoria flora. A base de 284.235 multados nos últimos 25 anos encontra-se no próprio site da autarquia, vinculada ao governo federal. Esses dados públicos — mas dispersos — ganham agora uma plataforma onde se pode ver quem foram os maiores autuados por ano e por município. De Oiapoque (AP) a Uruguaiana (RS). Quem foram os maiores acusados de desmatamento em Manaus ou Boa Vista? Ou em Altamira (PA)? Ou em Paranaguá (PR)?
Reorganizados, os dados do Ibama trazem à tona um público bastante seleto: 487 pessoas físicas e jurídicas somaram, entre 01 de janeiro de 1995 e 31 de outubro de 2019, mais de R$ 10 milhões em multas por desmatamento. Para saber em que parte do território eles sofreram as maiores punições basta clicar, no mapa, nos símbolos vermelhos. Outros 466 brasileiros (ou empresas) receberam autuações que somam mais de R$ 5 milhões. Cada multa acima desse valor pode ser vista, no mapa, nos símbolos amarelos. As demais, acima de R$ 1 milhão, nos símbolos verdes.
A lista traz milhares de empresas — em boa parte, companhias abertas — e centenas de políticos. De multinacionais a expoentes brasileiros do agronegócio. De banqueiros a donos de empreiteiras. O leitor atento achará nome de cantor famoso. Ou pai de técnico de futebol. Organizadores do carnaval baiano. Colunáveis. Prefeitos. Um governador. Vários ex-governadores. Ao longo das próximas semanas, a série De Olho nos Desmatadores divulgará notícias sobre esses e outros personagens, organizadas por setor de atividade ou outro critério jornalístico.
Confira abaixo o Mapa das Multas por Desmatamento, elaborado pelo observatório:
Com a publicação do mapa, De Olho nos Ruralistas cumpre sua função de divulgar não somente notícias, seu carro-chefe, mas também outras informações de interesse público. O levantamento que antecede a plataforma já motivou reportagens em dois grandes veículos da imprensa brasileira: The Intercept Brasil e CartaCapital. O site divulgou a lista dos 25 maiores autuados por desmatamento desde 1995. A revista publicou dez páginas sobre o tema, em reportagem de capa, na edição que circulou nesta sexta-feira, 31/01. Outros veículos do Brasil e do exterior pretendem publicar notícias a partir desses dados.
MAPA EVADE AS MULTAS MILIONÁRIAS
A maior parte das autuações milionárias ocorre na Amazônia. A reportagem de CartaCapital revela que a empresa de um governador da Amazônia Legal, Mauro Carlessi (DEM), está entre os 4.620 proprietários que, nos últimos 25 anos, tiveram multas na categoria flora acima de R$ 1 milhão. E que isso motivou condenação em seu estado, o Tocantins. Mas Carlessi ainda não se perfila entre os recordistas, aqueles com multas acima de R$ 50 milhões em todo o período. Há quem tenha recebido multas em até 16 anos diferentes. Quem são esses reincidentes contumazes?
Entre os 25 maiores autuados, nada menos que 24 receberam multas em mais de um ano. A reincidência não ocorre com autuações de baixo valor: 22 entre os maiores multados levaram multas acima de R$ 1 milhão em pelo menos dois anos. A lista é encabeçada pelo Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra) e prossegue com a Agropecuária Santa Bárbara, da família do banqueiro Daniel Dantas. Pecuaristas como Antonio José Junqueira Vilela Filho, o AJJ, e os irmãos Quagliato aparecem com destaque. Siderúrgicas, também. Afinal, parte da madeira vira carvão.
Ao longo do mapa um mesmo nome pode aparecer várias vezes. O critério utilizado foi o proprietário ter multas, somadas, acima de R$ 1 milhão. Tomemos AJJ. Somente em 2016, ano em que foi recordista, o paulista aparece em Rondônia, Mato Grosso, Piauí e, principalmente, Pará. Os registros são por município. O mesmo ocorre em 2012, 2013 e 2014, anos em que ele teve mais de R$ 1 milhão em multas. As multas menores, nesses e em outros anos, não entram no mapa. Várias multas em um mesmo ano e em um mesmo município, dispersas na base de dados do Ibama, aqui aparecem somadas.
Isso significa que o mapa não traz apenas os campeões de multas, destacados no Intercept e em CartaCapital. Todos aqueles que receberam multas acima de R$ 1 milhão, desde 2010, já estão no mapa. Confira acima um dos exemplo: Xavier Dallagnol, tio do procurador Deltan Dallagnol, com multa em Nova Bandeirantes (MT). Cada módulo traz, por ano, o nome do autuado, o município, a data, o CPF (ou o CNPJ) e o total de multas naquele município. A plataforma já inclui todos aqueles que receberam, de 1995 para cá, autuações acima de R$ 5 milhões — e será atualizada ao longo dos próximos meses.
PERÍODO COINCIDE COM O DO PLANO REAL
Todos os dados divulgados no mapa foram retirados da seção Consulta de Autuações Ambientais e Embargos, no site do Ibama. Cada multa, ali, tem a própria história. Muitas prescreveram. Outras, mesmo décadas depois, estão em fase de recursos. Uma fatia menor, 1,42% do total, foi quitada. O observatório divulga os dados porque são públicos e porque são esses os dados disponíveis para se entender onde ocorreram os flagrantes por crimes — ou supostos crimes — contra a flora no Brasil, conforme os critérios da autarquia. E quem foram os acusados.
O leitor interessado em saber, por exemplo, quem levou multas em Santarém (PA), em agosto de 2019, precisa fazer uma operação específica na plataforma do Ibama, um tanto escondida no site da autarquia. Quem foi flagrado em situação de desmatamento nesse período? Brigadistas? Ou madeireiros, proprietários rurais? Com o Mapa das Multas por Desmatamento é possível em alguns segundos, com o mouse, saber quem foram os citados pelo governo federal em Santarém ou em Altamira, no Pará, ou em cada município do Rio de Janeiro.
O período entre 1995 e 2019 foi escolhido para a pesquisa por dois motivos. Primeiro, porque o Brasil teve uma mesma moeda durante esse período. Os valores apontados no mapa são aqueles do momento da multa, sem correção monetária. Segundo, porque as autuações milionárias começaram a aparecem somente em 1996. Em 1995, 1997 e 1998 não houve nenhuma multa acima de R$ 1 milhão. Isso se tornou regra a partir de 1999, diante da aprovação, no ano anterior, da Lei de Crimes Ambientais. Já temos uma geração identificável de mega multados pelo Ibama.
Os dados relativos ao ano de 2019, entre janeiro e outubro, foram baixados em novembro. As multas aplicadas novembro e dezembro ainda não foram divulgadas pela autarquia. Em relação aos anos anteriores, de 1995 a 2018, os dados foram baixados em maio de 2019, como forma de unificar a pesquisa. Motivo: não é incomum que a plataforma do Ibama retire nomes, especialmente entre os mais recentes. Em 2017, por exemplo, quando o observatório começou pesquisar as multas por desmatamento, o médico paulista Carlos Alberto Mafra Terra chegou a liderar o ranking daquele ano, à frente da Agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas, mas as multas em Cumaru do Norte (PA) saíram do sistema. O mapa se baseia nos dados disponíveis em 2019.
A inclusão do nome no Mapa das Multas por Desmatamento não pode ser confundida com alguma condenação judicial a cada um dos proprietários listados. Para saber a situação administrativa ou jurídica de cada uma delas é preciso avançar na plataforma do governo e obter mais detalhes. Nem todos os proprietários autuados concordam com as punições. A série De Olho nos Desmatadores publicará reportagens específicas, nas próximas semanas, sobre esse e outros temas. E todas as respostas que chegarem à redação.
A pesquisa foi iniciada em 2017, desenvolvida em 2018 e consolidada em 2019. No ano passado o De Olho nos Ruralistas teve o apoio da Amazon Watch e dos Repórteres Sem Fronteiras, com recursos que permitiram mais tempo de trabalho para um dos repórteres e para um designer. Um dos objetivos do observatório é transformar o mapa em uma plataforma perene, como fonte de consultas para jornalistas e pesquisadores.
* com reportagem de Maria Lígia Pagenotto e Yago Sales. Mapa: Rodrigo Correa e Felipe Fogaça.
Imagem principal: Rodrigo Correa.
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