Viajar Verde
por Ana Duék
Pelourinho, Salvador | Foto: Viajar Verde
Desde que o homem descobriu a possibilidade de viajar, o turismo foi baseado na exploração. Ainda que a essência das viagens fosse o encontro com outras paisagens e culturas, o homem (branco) se acostumou a levar na mala sua visão de mundo e a convicção de que tinha a solução para as outras civilizações. Assim se deram as cruzadas, as colonizações, os Grand Tours e assim ainda acontecem muitas de nossas viagens hoje. Como em tudo na nossa vida, aprendemos a fazer turismo sob a ótica branca; ouvindo narrativas colonizadoras, que valorizam a cultura europeia e colocam culturas negras, indígenas, orientais e árabes como um mundo à parte.
O afroturismo veio romper com estas narrativas e nos aproximar da cultura negra, valorizando a história das populações e pessoas afrodescendentes no mundo todo e o que elas vêm construindo diariamente. Não é somente sobre o passado, mas também sobre o presente e o futuro. “O afroturismo pretende levar as pessoas a vivenciarem mais a cultura negra por meio da história, gastronomia, religião, museus, vivências, negócios, visitas a comunidades e quilombos, música”, explica Guilherme Soares, jornalista e sócio-fundador da Black Bird Viagem, em seu texto Turismo étnico ou afroturismo: o que é, onde ocorre e como praticá-lo?, para o Guia Negro.
Foto: Viajar Verde
“Quando a gente pensa o turismo colocando o negro no centro, nos abrimos para a diversidade”, lembrou a pesquisadora de turismo e questões raciais Natália Araújo, durante a I Conferência Virtual de Afroturismo. Natália destaca o afroturismo como um vetor de inclusão, não só a partir da participação econômica, mas também da identificação do viajante negro: “Os negros também querem viajar. (…) esse é um mercado onde os negros vão se reconhecer, mas os brancos também vão participar”.
A vez do afroturismo
Viagens com olhar afrocentrado já existem há muito tempo. Está aí a pioneira Solange Barbosa, que fundou, em 2006, a Rota da Liberdade, um programa cultural e turístico de mapeamento da diáspora africana no Vale do Paraíba, em São Paulo. Mas talvez tenhamos demorado muito para incluí-lo em nossas viagens.
A Rota da Liberdade com “Um dia no Quilombo”: senhor José Pedro, o Griô do Quilombo da Fazenda, e dona Mariza Moura, estilista paulistana | Foto: Rota da Liberdade
Embora tenha demorado para despontar com força, 2020 parece ter sido um ano fundamental para o movimento. Logo no início de janeiro, o Guia Negro já havia apostado que esse seria o Ano do Afroturismo no Brasil. E parece que, mesmo com a pandemia, ele acertou! No mês de maio, a Rede de Afroturismo, um coletivo de profissionais e empreendedores negros, se reuniu em um encontro virtual para lançar a proposta de um mapeamento que vai levantar o perfil do setor para fomentar oportunidades e políticas públicas.
No mês de janeiro, o Sebrae já havia lançado o Boletim de tendências sobre Afroturismo no Brasil, um documento que reúne algumas das empresas em atuação, que tipo de roteiros e experiências oferecem e os destinos onde encontramos experiências voltadas para a valorização da cultura africana e afrodescendente.
Finalmente, o estouro da campanha Black Lives Matter e os olhares para a luta antirracista, também permitiram que abríssemos nossas mentes para os protagonistas negros no turismo. “O afroturismo tem um potencial enorme ainda não explorado. Somos a maioria da população”, aposta o hoteleiro Hubber Clemente, fundador da iniciativa Negros & Pretos: Afro Hotelaria e Afro Turismo e um dos criadores do Coletivo pelo Afroturismo, que também se consolidou este ano. “Já que as pessoas vão repensar agora suas viagens, é um ótimo momento para olharem para o afroturismo. Nos reunimos para despertar essa curiosidade, popularizar e apagar esteriótipos”, conta Hubber.
Quem pode fazer afroturismo?
Já vou começar te respondendo que TODO MUNDO pode e deve fazer afroturismo – cada vez mais! E nós brancos, se queremos realmente mudar nossos olhares, reduzir nosso racismo e apoiar a luta negra, está aí uma das ótimas maneiras de fazê-lo: conhecendo a história da diáspora e, ao mesmo tempo, apoiando empreendedores negros. Mas a empresária Gabriela Palma, co-fundadora da Sou+Carioca, lembrou em um post recente em seu Instagram: “roteiros afrocentrados devem ser criados e executados por pessoas pretas para o mundo, ou seja, pra todo mundo consumir”. Sim pessoal. Agora é a hora de os negros contarem a sua história e nós escutarmos e aprendermos. Portanto, se você for fazer algum roteiro de afroturismo, lembre-se primeiro de procurar uma empresa ou guia conectado com essa história, combinado?
Leia mais:
Turismo étnico-afro: quilombos para visitar no Brasil
O que precisamos fazer para termos um turismo antirracista?
Com quem fazer?
Listei aqui algumas das empresas e dos incríveis guias que trabalham com afroturismo no Brasil. Isso não quer dizer que eles operem apenas com afroturismo. Muitos trabalham também com roteiros de cultura, história, ecoturismo, consultoria para viagens em geral e outras atividades. Então, fiquem de olho nesses afroempreendedores:
Se você conhece outros guias e empresas, indique lá nos comentários para que a gente inclua por aqui!
Onde fazer afroturismo?
O boletim do Sebrae lembra que “o turismo afro marca presença em várias regiões do Brasil (…) Entre os estados mais influenciados pela cultura africana estão: Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, Espiríto Santo e Rio Grande do Sul”. Fora do Brasil, o continente africano é, sem dúvidas, o principal destino. Mas os Estados Unidos, por exemplo, já têm roteiros em várias cidades. A verdade é que raízes culturais africanas estão nos mais diversos lugares do mundo. “Em quase todos os destinos que vocês visitam existe uma história, uma caminhada negra e uma oportunidade de fazer afroturismo. Procurem por elas!”, incentiva a guia Sayuri Koshima em seus tours (afrocentrados ou não) pelo centro histórico de Salvador.
Em Belize e Honduras, temos a oportunidade de conhecer de perto a cultura dos Garifunas, um povo que se formou com a miscigenação entre escravos africanos e índios. Em Lisboa, é possível saber sobre a história dos escravos que passaram por lá e a cultura africana que ainda prevalece, através das histórias do guia Naky, da African Lisbon Tour. Em Montevidéu, visitar a Casa Afro Uruguaya, e aprender tanto mais sobre o tradicional Candombe. Em Londres, a Black History Walks oferece diversas caminhadas negras com temas incríveis!
O Guilherme Soares, do Guia Negro, tem uma ótima matéria na revista Trip com 30 lugares essenciais de cultura negra no Brasil. Podemos começar nosso planejamento por lá, certo?
Deixo aqui algumas dicas, caso você esteja se preparando para ir para algum dos destinos abaixo:
Rio de Janeiro:
Tour da Pequena África – quem faz: Sou+Carioca, Rio Encantos e Conectando Territórios
Pedra do Sal, um dos núcleos da região da Pequena África, no Rio de Janeiro | Foto: Viajar Verde
São Paulo:
Caminhada São Paulo Negra – quem faz: Black Bird Viagem
Taubaté e Quilombos da Caçandoca e da Fazenda – quem faz: Rota da Liberdade
Caminhada São Paulo Negra com a Black Bird Viagem | Foto: Felipe Benicio
Maceió:
Andança Negra Maceió e Parque Memorial Quilombo dos Palmares – quem faz: Alagoas Cultural
Andança Negra Maceió | Foto: Alagoas Cultural
Salvador:
Tour Afro Centrado – quem faz: Sayuri Koshima
Caminhada Salvador Negra – quem faz: Black Bird Viagem
A guia Sayuri Koshima em um tour afrocentrado em Salvador | Foto: Sayuri Koshima
Para fechar, deixo vocês com a ótima I Conferência Virtual de Afroturismo, organizada pela Conectando Territórios, Rota da Liberdade e Diaspora.Black, que traz ricas informações e reflexões sobre o tema:
+ Mais:
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SOBRE O AUTOR
Ana Duék
Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?
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