No documento TD Angela Lima (páginas 96-101)
CAPÍTULO II – Definição, Evolução e Tendências do Turismo
2.19 Lazer e Turismo: Conceitos que se Cruzam
2.18 Os valores do Território no Lazer e no Turismo
Reconheci a importância de trazer ao contexto, um de relato na experiência europeia mais precisamente de Portugual, local onde esse trabalho nasceu e foi construído em todas suas etapas. O estudo e conhecimento dos fenômenos turísticos e de lazer ainda esta longe de uma fase madura, uma vez que não há estabilidade nos seus conceitos e menos ainda nas formas de compreensão da crescente complexidade que os caracteriza. A falta de solidez cientifica no conhecimento destes fenômenos. Bem como a frequente acusação de pouca praticabilidade dos estudos que sobre eles se vão realizando, tem como causa e consequência um acentuado divórcio entre a academia e os meios institucionais e empresariais deste setor, divórcio esse que é bem visível na perspectiva pragmática e praticista claramente afirmada por estes últimos.
Ora, a não convergência dos interesses e praticas de todos os agentes envolvidos nos processos de oferta turística e de atividades de lazer é uma clara desvantagem para o sucesso dos seus desempenhos. Assim, o objetivo deste texto é o de refletir sobre a natureza e característica dos territórios do lazer, interpretados na diversidade das praticas e na sua relação com a oferta turística, tendo em vista, especialmente, as formas como pode aportar competitividade aos modelos de exploração turística, vigentes ou projetados. Para chegar ao objetivo proposto, o texto seguinte estrutura-se em torno de três tópicos: o primeiro faz uma breve abordagem conceitual, o segundo é dedicado à importância do território nas experiências de lazer e turismo e, por fim, o terceiro reflete sobre a ligação entre as atividades de lazer e a animação turística.
2.19 Lazer e Turismo: Conceitos que se Cruzam
O lazer e o turismo são realidades muito mais antigas do que o seu estudo e conhecimento. Embora se reconheça a existência de trabalhos que documentam e sistematizam a evolução do pensamento nestas matérias, a verdade é que ambas os
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conceitos, trabalhados por diversas comunidades acadêmicas e, no caso do turismo, até por instituições oficiais, não têm um entendimento estável e consensualizado, menos ainda quando esse entendimento se expressa através do cidadão comum e se propõe uma interpretação cruzada (Lew, Hall & Williams, 2007; Pearce, Filep & Ross, 2010).
De fato, a linguagem do dia a dia tende a compreender a viagem turística, apenas e só, como uma das hipóteses disponíveis para ocupar o tempo livre, numa opção que, quando concretizada, interpreta o consumo turístico como algo lúdico e recreativo (Cooper & Hall, 2008; Hall, 2007). É relevante reconhecer que esta interpretação é bastante influenciada pelo fato de muitos analistas do setor do turismo, incluindo alguns com forte responsabilidade social, cultural, acadêmica e institucional, persistirem em observar o fenômeno a partir das (suas?) experiências pessoais, ao invés de o lerem como um fato coletivo e com várias dimensões de aplicação e de eventual sucesso.
Sendo esta uma verdade principal, não faltam apontamentos que se assinalam, por exemplo, o potencial formativo e educacional das experiências turísticas – numa reinterpretação da herança do Grand Tour, onde o próprio conceito se funda – ou que realçam a perspetiva da sua ligação ao consumo. Mas no final, sem prejuízo da oportunidade econômica gerada pelo turismo e da evidência da diversidade dos seus impactos sociais, culturais e ambientais, a essência do entendimento que o cidadão comum faz do conceito de turismo não se alterou substancialmente nos últimos anos, quer em termos nacionais, quer internacionais (Lew, Hall & Williams, 2007; Pearce. Filep & Ross, 2010).
Para os profissionais do turismo, e para quem com eles se identifica, a conceitualização deste setor de atividade é suportada na definição oficial que é partilhada pela Organização Mundial de Turismo e pela Divisão de Estatística da Organização das Nações Unidas.
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Esta definição, muitas vezes reproduzida, segue uma linha muito operacional, considerando que para se ser turista basta i) estar deslocado do local de residência habitual, ii) por um período de tempo entre um dia e um ano e iii) não obter remuneração direta e especifica no local de destino. Note-se, por oposição, que não se especificam motivações, nem modalidades de viagem e alojamento, o que torna esta conceitualização totalmente aberta à dimensão do mercado e do negócio.
O conceito de lazer tem uma interpretação ainda mais fluida. Não existindo uma dimensão institucional, corporativa ou de interesses econômicos que o identifique, valorize e suporte, o lazer permanece limitado à condição de objeto acadêmico e/ou de participação subalternizada em vivências cruzadas com outros fatos econômicos, sociais e culturais. Ou seja, não se negará que existe um tempo e uma dimensão da vida a que chamamos lazer, nem tampouco se duvidará que esse tempo e essa dimensão são fundamentais para muitas das nossas vivências, mas o conceito permanece instável (Alexandris, 2009; Blackshaw, 2010).
Na ausência de uma definição oficial de lazer, as propostas que foram e vão surgindo, através da escrita ou da palavra de alguns acadêmicos que se interessam por este tema, são diversas e refletem os momentos históricos e as posições políticas, ideológicas ou científicas dos respetivos autores. Podemos identificar dois elementos- chave neste percurso apontado para a conceitualização do lazer: i) o entendimento do lazer como um tempo, um conjunto de atividades ou a síntese de ambas as perspetivas: ii) o entendimento do lazer como um fato autônomo e de primeira grandeza ou; ao invés, a sua percepção como uma realidade complementar e dependente de outras, designadamente do trabalho e das obrigações sociais (Blackshaw,2010; Umbelino,1999).
Os primeiros pensadores do lazer foram alguns filósofos gregos da Antiguidade Clássica. Para estes, e também para os seus seguidores em tempos mais modernos, o lazer era a única verdadeira razão da vida. Só no tempo de lazer, e nas atividades que o
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preenchiam, é que o ser humano se elevava na sua condição de ser inteligente, sendo o trabalho, sobretudo o trabalho físico, que era destinado aos escravos, uma função menor da humanidade.
O mundo esta dividido em duas classes [...] Uma é a grande maioria, a outra é a ociosa, não a dos ricos e dos herdeiros, mas sim daqueles que amam as ideias e a imaginação. (Grazia, 1966).
No período do império Romano o lazer ganhou novas dimensões, estendendo-se no tempo que lhe era dedicado e no espectro de abrangência. Os dias de não trabalho chegaram a atingir metade do ano, sendo vistos como uma necessidade para manter a estabilidade social de uma massa crescente de desempregados, fruto da chegada de milhares de escravos provenientes de todo o império – era o tempo do “Pão e Circo”.
A funcionalidade do lazer teve uma afirmação definitiva muitos anos depois, tendo por principal origem os sociólogos do trabalho, nomeadamente os de origem marxista: o trabalho era o farol da vida, mas o tempo e as atividades de lazer eram importantes como mecanismos de recuperação física e psicologica para o melhor cumprimento do objetivo central da vida humana. Fernando Micael Pereira sintetiza este ponto de vista de modo cristalino, numa afirmação que, para muita gente, mantém total atualidade: Centramo-nos no trabalho profissional, porque ele não só nos dá a remuneração, como dá ainda status. És o que fazes profissionalmente, és o que ganhas, és aquele que subiu a determinado nível profissional. É o trabalho que te dá consideração social, é o trabalho profissional que constitui a base do teu relacionamento e socialização, pelo menos na idade adulta, é o trabalho profissional que te permite realizares-te. (Pereira, 1991)
A definição de lazer mais vezes citada é a proposta por Dumazedier (1962):
O lazer é um conjunto de ocupações às quais o individuo se pode entregar, seja para descansar, seja para se divertir, seja para desenvolver a sua participação social voluntaria, a sua informação ou a sua formação desinteressada, depois de ser libertado de todas as suas obrigações profissionais, familiares ou sociais [...].
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O lazer é um tempo libertado pelo trabalho produtivo, sob a acção conjugada do progresso técnico e das forças sociais, que permitem ao Homem beneficiar duma actividade não produtiva. Dumazedier (1962).
“Nesta definição destacam-se dois aspectos importantes: i) a concessão do lazer
como síntese de um determinado tempo e das atividades que o podem ocupar, e ii) a clara subalternização do lazer face às forças do trabalho e da sociedade. Muitos anos mais tarde, nós próprios fizemos a seguinte proposta, que ainda mantemos”:
Tempo que cada pessoa afeta a atividades de sua livre escolha, sem quaisquer interesses que não os que decoram as suas vontades, assegurados que estejam os meios para a sua subsistência e uma inserção social adequada (Umbelino, 1999).
Assinala-se, portanto, a concordância com o primeiro pilar da proposta de Dumazedier, que acima se destaca, mas a discordância em relação ao segundo. Isto é, o lazer pode ser visto como um tempo autônomo, nas subalternizado, embora seja certo
que ele só é legitimo quando estejam assegurados “os meios para a [...] subsistência e
uma inserção social adequada”, venham eles de onde vierem e seja qual for o nível da
exigência que eles façam. As práticas de lazer são uma expectativa de primeira grandeza para milhões de pessoas e não mais um fato residual e supérfluo”.Cruzando as duas matérias ora em apreço conclui-se que o conceito de turismo aceita a sua participação no universo do lazer, mas não se esgota nesse tempo de não – trabalho, já que vários produtos turísticos se baseiam em motivos com origem profissional e/ ou econômica.
Ao olhar-se para o binômio lazer/turismo a partir do primeiro, chega-se a uma conclusão semelhante, isto é, a de que o lazer é um conceito mais amplo do que a sua parte que se cruza com o turismo, uma vez que muitas das práticas que o consubstanciam decorrem de atividades do dia a dia e são concretizadas na área de residência habitual.
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Sem prejuízo da afirmação anterior, no tópico seguinte considera-se o turismo sobretudo na sua componente de viagens de lazer, relevando-se que as demais motivações turísticas também acabam, quase sempre, por gerar oportunidades lúdicas.
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